“Desde pequena sempre quis ser médica. Porém, aos 14 anos, recebi um convite para fazer um trabalho como modelo. Surgiram outros e muitas viagens. Decidi aproveitar a oportunidade e larguei os estudos. Sou feliz nessa profissão na qual sigo até hoje mas, no fundo, no fundo, sempre achei que faltava algo.
Foi durante uma conversa com meu terapeuta que revelei a frustração por não ter feito medicina. Aquilo ficou martelando na minha cabeça e, pouco depois, decidi fazer cursinho. Com um ano e meio de estudos, passei em medicina na Faculdade São Camilo (SP) e me senti realizada. Casei dois anos depois e, tanto eu como meu marido, queríamos filhos.
Quando estava com 34 anos, decidi que tinha chegado a hora de engravidar porque seria difícil ter um filho no período da residência, que é mais complicado, e também por causa do avanço da minha idade. A Iolanda nasceu, tranquei o semestre, e na volta achei bem difícil conciliar a faculdade com uma bebê pequena. Mas segui adiante, tanto que, cerca de um ano depois, engravidei novamente. Acabei de retornar ao estágio e estou sofrendo demais, inclusive, já pensei em desistir, faltando um ano e meio para terminar o curso e mais dois anos de residência. O problema é que o Santiago está com seis meses e não pega nenhum bico – já tentei seis tipos – e está sendo amamentado à base de colherzinha. Já tentei ver com os meus professores que me acompanham no estágio no Hospital de Carapicuíba (SP) se eu poderia trazê-lo junto com uma babá. Mas isso não é recomendado, devido ao ambiente hospitalar. A Iolanda também está sentindo muito a minha ausência de mais de oito horas por dia. Sei que as coisas tendem a piorar, pois daqui a pouco terei de dar plantões de 24 horas.
Embora eu tenha meu marido, que é um parceiro para todas as horas, e a babá, a culpa me persegue. Penso sempre se estou errada de tentar realizar meu sonho. E, para piorar, tem a sociedade machista que ainda faz a mulher se sentir ainda mais culpada. Esses dias fiz um post nas redes sociais contando a dificuldade do Santiago tomar leite e uma pessoa escreveu: ‘Talvez você não tenha mais essa chance. Os filhos crescem rápido. O tempo não volta e a decisão de estar com eles nessa fase é uma questão de prioridade de vida´. Até agora eu não consegui responder porque não é meu caso, mas e as mães que não têm opção e precisam sair para trabalhar depois da licença-maternidade?
No final das contas, há quem pense que é sempre papel da mãe ficar em casa e cuidar dos filhos. Ninguém questiona um homem que quis voltar a estudar depois de ser pai. Esses dias, enquanto estava em lágrimas, lembrei do discurso da Glenn Close, que recebeu o prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro este ano. Ela disse que somos mulheres, protetoras e cuidadoras e que também temos direito à realização pessoal. Temos de perseguir nossos sonhos. É exatamente essa frase que não sai da minha cabeça.
Acho que todo sacrifício vale a pena, e lá na frente eu vou me orgulhar por ter feito essa escolha, que também fará diferença na vida dos meus filhos. É complicado conciliar a maternidade e os estudos, mas não é impossível. Tem de acreditar.”
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