Ela perguntava, chorando: “Mas o que é que eu vou fazer?”. “Você vai fazer o que precisa ser feito. E depois você vai fazer de novo. E de novo. E de novo.”
Algumas vezes, ouvimos coisas banais que nos penetram como flechas certeiras. No fim de semana passado, ouvi o diálogo acima em um filme muito bom: Tully. O longa conta a história de uma mãe que acaba de ter o terceiro filho e que, desesperada de cansaço, decide aceitar a oferta do irmão, bem mais abastado do que ela, de presentear o casal contratando uma babá noturna. A moça chega na casa perto da hora de dormir, cuida do bebê durante toda a noite, levando o pequeno só para as mamadas, permitindo que a mãe descanse, ficando exclusivamente – desculpe não conseguir expressão melhor – de vaca leiteira.
A presença da babá na casa amplia de muitas formas a vida daquela mãe e, a certa altura, ela lhe dá a resposta acima. Bom, chega de contar, é preciso ver o filme. Toda mãe deveria ver. Algumas cenas nos salvam. Além do que, é um trabalho maravilhoso da atriz Charlize Theron, difícil não se identificar com ela.
Não tenho mais filhos pequenos e só vez ou outra ainda sobra um tênis esquecido no meio da nossa sala. Mas me lembro bem da bagunça da casa, da sensação de cansaço, das dúvidas, das angústias, do mundo por fazer e a vontade de chorar por um mero suco derramado. Estava distraída, vendo o filme, quando a tal resposta me pegou por inteiro, criando um sentido muito mais amplo, e confesso que tenho pensado nela quase todas as manhãs.
Tenho suspirado. Tenho visto muita gente suspirar. Os tempos estão estranhos, injustos, a vida veloz demais, nos escorrendo das mãos invariavelmente ocupadas com nosso arsenal tecnológico, que nos instiga a ter cada vez mais coisas a fazer. Fico pensando se tivesse meus filhos ainda pequenos depois que deixamos nossos dias entrarem em centrífuga com o evento do WhatsApp. Dar banho, tomar banho, dar o remédio, a comida, deixar na escola, voltar para o trabalho, pegar na escola, ensinar a tirar o tênis do chão, contar histórias para eles dormirem e ainda responder tantas mensagens. É preciso estar atento e forte para não se deixar massacrar.
+ Deixe de lado o padrão de boa mãe e seja sincera com você e seus filhos
Meus filhos cresceram, mas vou continuar fazendo o que precisa ser feito. Uma coisa de cada vez. Um dia de cada vez. E depois de novo. E de novo. E de novo. Fazer o que precisa ser feito não é fazer tudo o que precisa ser feito. Tampouco pensar em tudo que se tem para fazer, motivo pelo qual muitas vezes se paralisa e chora-se como um bebê. Ter sido mãe me ensina até agora como não esmorecer, mesmo que eu não tenha mais a urgência do olhar de uma criança à minha espera. Fazer o que precisa ser feito é simplesmente ir fazendo o que precisa ser feito.
E a arte nos ajuda a construir beleza nos rituais banais para nos livrar da mediocridade e enfrentar o cotidiano. Aquele filme me falou à alma e tem me ajudado a viver melhor.
Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 21 anos, e Pedro, 19.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Denise-Fraga/noticia/2019/04/denise-fraga-o-que-precisa-ser-feito.html