A advogada Helena Lima, 38, viu sua vida profissional mudar completamente com a pandemia do coronavírus. Em junho, ela, que trabalhava como assessora de juiz, recebeu a notícia da sua demissão. "Segundo palavras do meu chefe, eu não tinha condições de conciliar o trabalho em home office com os cuidados ao meu filho, que estava em casa comigo em função do fechamento das escolas", diz a mãe de Francisco, de 2 anos.
Assim como Helena, muitas mães tiveram sua carreira impactada pela pandemia. Apenas para 10% delas não aconteceu nenhuma alteração na vida profissional. É o que aponta a pesquisa Pandemia e Isolamento Social: um estudo do impacto sobre as famílias, realizada pela CineMaterna — associação em São Paulo (SP) que organiza sessões especiais para mães (e pais) com um ambiente especialmente preparado para os bebês de até 18 meses. A maior parte das mães tem filhos na faixa-etária de 1 e 2 anos. A partir de entrevistas com 1.236 mulheres, entre 20 de julho e 19 agosto de 2020, a pesquisa mostra que 12% delas sofreram redução salarial, 2% tiveram o salário reduzido e 10% foram demitidas. O home-office também passou a fazer parte da rotina de 49% das profissionais. "As mães estão estressadas e muitas vezes não conseguem manter sua produtividade, queríamos chamar a atenção da sociedade para isso", diz Irene Nagashima, presidente da Associação CineMaterna.
Foi o que aconteceu com Helena. Ela e o marido, Jeison Karnal da Silva, começaram a trabalhar remotamente e optaram por não envolver a rede de apoio no cuidado com o filho, pois as avós de Francisco fazem parte do grupo de risco. "Nos revezávamos nas tarefas aqui em casa para tentar dar conta da demanda de trabalho de ambos", diz a advogada. No entanto, os planos não saíram como o esperado. Com a mudança de rotina, o bebê começou a ter problemas de sono e passou a ficar acordado até três horas da manhã, chorando muito. "Pensamos até em levá-lo para uma consulta com a pediatra, porque foi realmente assustador ver como a rotina de sono dele ficou bagunçada. Depois, ouvimos relatos de outros pais e mães sobre a mudança de humor dos pequenos e entendemos que fazíamos parte disso também, afinal, o isolamento não estava poupando ninguém".
A junção de noites mal dormidas com os cuidados com Francisco durante o dia acabou impactando a concentração e a produtividade de Helena, que precisava entregar inúmeras tarefas no trabalho em um espaço de tempo muito curto. Durante esse período, ela diz que cresceram suas inseguranças, ansiedades e havia também o medo de ser demitida, o que se concretizou logo depois.
Segundo Irene, durante esse momento de pandemia, com a economia vivendo um cenário incerto, o mundo todo está em um "Puerpério Mundial", mas as mães acabam ficando em desvantagem. "Vimos casos em que elas desistiram de procurar emprego, pois não tinham com quem deixar os filhos ou recusaram propostas por não saber se conseguiriam conciliar as duas coisas".
De acordo com os dados da pesquisa, 36% das profissionais deixaram de procurar emprego durante a pandemia e 11% estão exercendo atividades extras para complementar a renda. A advogada Helena ainda não conseguiu se recolocar no mercado, mas está aproveitando esse período para fazer cursos online e se manter atualizada.
A ROTINA COM OS FILHOS
Com as aulas presenciais suspensas, as famílias passam mais tempo com as crianças. No entanto, mesmo ficando em casa, o apoio do pai nos cuidados dos filhos não cresceu. Segundo a pesquisa, 67% das mulheres disseram que tiveram apoio do pai da criança durante a pandemia, o mesmo percentual que em 2019, em que não havia quarentena. "As mães não conseguem dar conta de tudo. Elas precisam ter um tempo para respirar, descansar e estudar. Por isso, é fundamental que elas tenham o apoio do companheiro", afirma Irene.
As mães também apontaram que as aulas online foram um grande desafio durante esse período de pandemia. A pesquisa contou com 527 mães, que possuem filhos estudando remotamente. Para 36% delas, as aulas virtuais são difíceis e desafiadoras.
Outra preocupação das entrevistadas foi com o uso de eletrônicos. Irene ressalta que as mães passaram a ser mais permissivas com relação a esses dispositivos para ter tempo de fazer uma comida ou mesmo foco em alguma atividade do trabalho. Porém, apesar de, às vezes, cederem ao uso dos eletrônicos, quase metade das mães se dizem estar muito preocupadas com o uso.
Para Helena, a rotina com Francisco foi se adaptando com o tempo. "Está bem diferente do caos que foi no início". Pela manhã, ela passeia com o pequeno pelo condomínio e depois ele fica brincando com massinha de modelar, giz de cera, carrinhos e bonecos em casa. Algumas vezes, a advogada lê algumas histórias com o filho também. Além disso, ele participa das tarefas de casa, como levar a fralda no lixo e servir a ração do cachorro. "Não me preocupo com a “formação” dele, não questiono se ele 'vai ficar atrasado'. Não só porque ele tem apenas 2 anos, mas também penso que em casa aprendemos muitas coisas. A vida é muito maior do que a escola".
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