Eram meados de 2015. Eu fazia as unhas no cabeleireiro, contando empolgada à simpática manicure sobre os ensaios de Galileu Galilei, peça que estávamos prestes a estrear. Olhando seus olhos vagos, resolvi perguntar se ela sabia quem era Galileu.
– Aquele do sol, não é?
– É. Esse daí. Foi ele que, com o telescópio, conseguiu provar que a Terra girava em torno do Sol, mas depois acabou tendo de negar para não ser queimado na fogueira.
– Mas será que gira mesmo, Denise?
Eu ri:
– Como assim?
Iara era uma senhora sacudida, por assim dizer. Uma mulher esperta e antenada, com quem eu mantinha altos papos sobre as coisas da vida.
– Vou te falar por que eu acho que não gira, Denise. Na Terra tem muita água, né? Se a Terra girasse, alguma hora essa água ia derramar.
Nem tentei argumentar.
– Você já viu as imagens?
Peguei o celular e mostrei-lhe fotos dos planetas, do Sistema Solar e vi, literalmente, a sua boca abrir com as imagens da Terra vista da Lua. Contei-lhe toda a história de Galileu, e percebi que minha amiga não só não tinha aprendido lições de astronomia na escola, mas vivia distraída com os seus pés na terra, sem olhar para cima. Para ela, as estrelas eram pontinhos brilhantes pertencentes aos poetas, e estavam sempre no mesmo lugar. A Lua era um sorriso ou uma bola iluminada com São Jorge dentro que ora estava ali, ora acolá.
Iara não era nem um pouco ignorante. Era articulada, falava de política, de futebol e até dava uma filosofada. Mas simplesmente não questionava o céu, se contentando com tamanho mistério.
Estamos isolados em nossa casa nesta quarentena, e Pedro tem nos feito olhar para o céu. Conseguiu fazer com que vislumbrássemos até as crateras em uma foto que tirou da Lua. Chama sempre a minha atenção para Júpiter, e eu confesso que nunca tinha reparado que ele é a estrela mais brilhante. No outro dia, gritou:
– Tá dando para ver Marte!
Corri. Marte é mesmo vermelho. De vez em quando, eu via uma estrela mais vermelha que as outras, mas não tinha sido apresentada. Meu filho o fez. Jamais buscarei só a Lua. Sairei da quarentena procurando Júpiter, Saturno e Marte no céu de São Paulo que, diferentemente do que dizem, ainda tem muitas estrelas.
Pedro não tem telescópio. Só sabe que pertencemos a algo muito maior. Que somos ínfimos. E gigantes, por justamente poder perceber nossa pequenez.
Tenho pensado na Iara. Nestes tempos estranhos, tem-me sido fundamental olhar para o céu. Será que ela tem feito isso? Aconselho. Pegue seu pequeno pela mão, e dê uma chegadinha na varanda, na laje, na cobertura do prédio ou arrisque ir até a praça durante a noite só para inverter o pescoço e olhar para cima. Ele vai perceber que ainda tem muita coisa que brilha nessa terra plana.
Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 21 anos, e Pedro, 19
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