Se contarmos que o nosso ano de 2020 começou em meados de março, quando fechamos as portas de casa sem data prevista de reabri-las para a vida nova, mais de metade do ano já passou. O futuro, se for um filme, ainda nem aportou com o trailer. Estamos distantes do fim desta era ditada pelo coronavírus e todas as suas imperativas transformações em nossas rotinas.
Entre nós, aos poucos, vão surgindo sintomas de exaustão de um modelo tão aversivo à forma que vivíamos. O abraço que não pode vir sem o risco aumentado, agora grita em forma de saudade. As crianças têm chorado mais, gritado mais, desligado mais as câmeras das aulas virtuais. Os adultos estão sentindo falta dos escritórios, do cafezinho compartilhado em cinco minutos de intervalo, do corredor sendo atravessado enquanto se diz ‘oi, como vai?’, de forma quase mecânica. Os idosos querendo os netos, o almoço de domingo aglomerando as famílias em torno da mesa cheia de afeto, em forma de carboidrato. Ninguém aguenta mais.
O que significa aguentar? Significa aceitar, resignar-se? Quem aguenta é um ser passivo, que não consegue expressar seus desconfortos? E quem não aguenta? Passa a ser irresponsável, somente, ou há formas de não aguentar e construir algo de positivo no meio de tanta raiva da vida como ela está conseguindo ser? Não aguentar pode ser muitas coisas, só você poderá definir melhor. Convido você a responder a essas perguntas, e sobretudo a conversar sobre elas.
Precisamos abrir espaços nas janelas dos encontros virtuais profissionais, escolares e familiares para compartilhar nossas raivas, medos, tristezas e exaustões. Falar salva um pedaço da experiência dolorosa de se transformar em desatino. Ao falarmos, podemos sentir algo da energia pulsante se transformando em outra coisa. Enquanto conversamos, enquanto escutamos o que significa o cansaço para os outros, enquanto desabafamos nossas verdades da alma mais inconfessáveis, podemos produzir vida nova. Ideias novas surgem, sentimentos novos passam a ter vazão, uma vez que a gente se permite esvaziar o pote que anda cheio há seis meses.
Nossa saúde mental depende da liberdade de expressão daquilo que estamos sentindo. Não há racionalidade possível em uma vida que não possa falar do que sente. Os silêncios envergonhados ou irados são panelas de pressão, que explodem nos momentos mais impróprios e com as pessoas que mais amamos. Sim, eu também estou cansado da pandemia, como você. Vamos falar sobre isso?
Alexandre Coimbra Amaral é mestre em psicologia pela PUC do Chile, palestrante, escritor, terapeuta familiar e de casais. Pai de Luã, 13, Ravi, 11, e Gael, 6. Psicólogo do programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Alexandre-Coimbra-Amaral-A-humanidade-em-nos/noticia/2020/12/alexandre-coimbra-amaral-sim-eu-tambem-estou-cansado-da-pandemia.html