Em um de seus vídeos nas redes sociais, Giovanna Nader, 33, aparece comemorando, junto com a filha, Marieta, 1 ano e 9 meses, o presente que a menina recebeu de amigos: uma sacola de roupas usadas. Fundadora do @projetogaveta, apresentadora do programa "Se Essa Roupa Fosse Minha", no GNT, e consultora de moda sustentável, ela acredita que o reuso de roupas virou uma tendência mundial.
Em entrevista à CRESCER, Giovanna, que é casada com o ator e humista Gregório Duvivier, falou sobre a importância da consciência sustentável e deu até dicas de como diminuir o comportamento consumista.
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C: Por que a preocupação com uma moda mais sustentável?
G: A minha preocupação com a moda sustentável surgiu quando o festival de troca de roupas — o Gaveta — já existia, e a gente passou a questionar o mundo todo sobre o que estava por trás das roupas que usavávamos. Por muito tempo, compramos roupas nas lojas e usamos sem questionar quem fez e quais tecidos foram utilizados. Quando descobrimos que a moda é o quinto mercado mais poluente do mundo e que os seus impactos ambientais e sociais são gigantescos em busca de uma tendência, a gente repensa até onde vai a nossa responsabilidade com a roupa que carregamos no corpo. Foi aí que eu comecei a questionar sobre o material utilizado, que pessoa fez, em quais condições e se ela recebeu o devido valor por isso. Foi dessa maneira que descobri o lado ruim da roupa que achava bonita na vitrine. Primeiro, porque a moda é o mercado que mais escraviza pessoas — atrás apenas do setor de tecnologia. E também porque é extremamente poluente com as águas dos rios. Os tecidos sintéticos nunca se decompõem, são derivados do plástico e soltam microplásticos, que vão parar nos oceanos. Tem todo um ciclo que é linear. A partir do momento que a gente descarta a roupa, ela se torna muito prejudicial ao mundo.
C: No Brasil, as pessoas ainda têm muito preconceito em usar roupas usadas?
G: Acho que as pessoas no Brasil estão tendo cada vez menos preconceitos com a roupa usada. O reuso de roupa virou uma tendência mundial. Todo esse consumo colaborativo é algo legal — desde alugar bicicletas, até ficar na casa de desconhecidos. Se torna um status falar que a blusa é usada e comprada em um brechó. Que bom que essa tendência está vindo ao nosso favor. É uma tendência, mas também é uma necessidade. E que ela venha pra ficar! Ainda vejo preconceito, sim, mas tem diminuído cada vez mais. As pessoas estão muito abertas para o reuso de roupas até por uma questão financeira. É muito mais barato trocar roupas do que comprar. E a peça é única, só você tem. Isso faz a pessoa se sentir única, com o mérito do garimpo.
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C: A consciência sustentável também passa pela escolha dos produtos certos...
G: Quando a gente começa uma consciência sustentável, ela se espalha para todos os lados da nossa vida. Começamos a perceber que a indústria empurra coisas que, porque por muito tempo, não questionamos. Tudo começou com os alimentos, quando passamos a entender os rótulos dos ultraprocessados, entender gorduras hidrogenada e trans, sal, sódio, açúcar. Na minha infância era normal comer esses alimentos, mas, hoje, eles não entram na minha casa. Depois, essa preocupação se estendeu para os cosméticos. Percebemos que tem alumínio no desodorante e toxinas no shampoo. Consequentemente, começamos a ler a etiqueta de composição da roupa para entender quais tecidos fazem bem e quais fazem mal ao meio ambiente.
C: É possível desmistificar que a moda não necessariamente está ligada a marcas?
G: Moda e marca são coisas totalmente separadas. A moda é para todo mundo. Todo mundo sai vestido, então todo mundo usa moda em maior ou menor grau. Já as marcas são um mercado totalmente opressor porque, por conta de um logotipo, a peça custa mais caro e apenas uma parte da população tem acesso. É uma maneira de concentração social e também de opressão social com quem não tem acesso a essa marca. Eu sou totalmente contra marcas e a ostentação delas. Claro que tem marcas caríssimas — que eu não faço a mínima questão de investir meu dinheiro —, mas entendo que tem gente que compra pela modelagem e porque a peça vai durar a vida inteira. Mas essas mesmas marcas estão em brechós e no mercado de segunda mão, com peças que foram descartadas e que estão em bom estado. Não vejo razão nenhuma para comprar marca, mas moda, sim. Todo mundo tem que saber como usar a moda ao seu favor porque também é uma maneira da gente se diferenciar e afirmar nossa personalidade para o mundo de maneira autêntica, divertida e com autoestima.
C: Você faz questão de mostrar à sua filha que ela não precisa de roupa nova. Essa consciência deve começar desde cedo?
G: Eu imagino que a geração da minha filha será muito mais consciente que a nossa por conta desse momento crítico que a gente vive. Mas acredito que nós, enquanto pais, temos nosso papel sobre essa consciência. É nossa responsabilidade ensinar dentro de casa. Tanto que a Marieta celebra o uso da roupa usada. Eu evito muito a palavra "comprar" e, só quando eu passei a evitar, que percebi como ela é comum no nosso vocabulário. Um dia, ela pegou uma escova de dente nova na mochila e perguntou: “Comprou?”. Eu pensei: "Caramba, minha filha já sabe o que é comprar”. Ela já nasce consumidora. Ela aprende pelo exemplo, então, muitas vezes, ao invés de falar “comprar”, eu falo “trocar”.
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C: Crianças crescem rápido e perdem roupas com muita frequência. Qual é a principal dica para diminuir o consumo de peças novas?
G: A dica para diminuir o consumo de roupas novas é consumir roupas velhas. Não só trocar, como comprar em brechós, herdar da criança mais velha que tem na família e alugar. Temos que pensar cada vez mais no consumo colaborativo onde os verbos “trocar”, “alugar” e “emprestar” substituem o verbo “comprar”. Eu sou totalmente a favor dessa nova maneira de consumo, principalmente com nossos filhos, porque eles ainda não têm necessidade de nada — é a gente que cria as necessidades para eles. Então vamos criar outro tipo de necessidade.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Pais-famosos/noticia/2019/11/reuso-de-roupa-virou-uma-tendencia-mundial-diz-giovanna-nader.html