Há dois meses, Júlio, 4 anos, descobriu uma nova maneira de chamar a atenção em casa: solta pum e pergunta aos pais se cheirou, ameaça dar beijos quando os lábios estão sujos de molho ou ainda avisa a todos que vai tirar uma meleca enooorme do nariz. Também pede para cheirar o pé da mãe e "saber" se ela tem chulé. "Nem sei como tudo começou. Mas ele percebeu que monopolizava a nossa atenção porque ríamos dos puns dele. Mas noto também que ele se diverte bastante", conta a mãe, Josimari Carvalho, 41 anos.
As escatologias divertem mesmo nessa fase. "É uma forma de a criança brincar com os sons que o corpo produz", diz a psicóloga Fernanda Roche, do Projeto Criança em Foco, de Curitiba. Ela ressalta que o comportamento, comum a meninos e meninas, não tem nada de anormal. É mais uma expressão do desenvolvimento infantil, relacionada ao prazer com o próprio corpo. Por volta dos 2 anos, por exemplo, essa satisfação está associada ao xixi e cocô. "Mais tarde junta-se a esse prazer o fato de a criança descobrir algo socialmente inaceitável, que permitirá a ela desafiar os pais", completa Deborah Patah Roz, psicóloga do Instituto da Criança, em São Paulo.
Para a psicóloga Fernanda, os pais podem tanto se divertir quanto ignorar as escatologias. Josimari, por exemplo, entra na brincadeira, mas não a instiga. "Quando escapa algum pum e o Júlio não fala nada, não estimulo", diz a mãe que, por enquanto, não repreende o comportamento porque o filho não extrapola, só brinca em casa. "Caso a criança esteja exagerando, explique que o corpo de todas as pessoas produz sons e outras coisas íntimas que devem ser feitas no quarto ou no banheiro", orienta Fernanda. O tom da repreensão deve ser sempre amigável. O objetivo é educar, e não fazer a criança se sentir culpada ou envergonhada por algo natural e até engraçado para ela nessa fase. Com o tempo as gracinhas escatológicas podem desaparecer, mas às vezes ganham mais força à medida que a criança cresce. Algumas adoram promover, por exemplo, competições entre amigos do pum mais fedido, do arroto mais alto ou mais longo."Se um do grupo faz, rapidamente ressoa no outro. A criança percebe que as escatologias lhe dão um certo poder e vai querer também deter essa força", explica a psicanalista Deborah Roz.
O período de escatologia pode coincidir com a descoberta dos palavrões. "A criança também se diverte repetindo as palavras ‘feias’ porque se dá conta de que rompe uma regra imposta pelos adultos", justifica Deborah Roz. Quando o palavreado chulo entra em cena, os pais têm de perguntar se o filho sabe o significado (explicar caso não saiba) e tentar explorar com ele o sentido de ficar repetindo o xingamento. É que muitas vezes a criança usa o palavrão apenas para testar a reação dos pais. "Ela quer saber se eles vão reprimir ou estão abertos às novidades, às questões que ela apresenta. Basta então explicar a expressão e depois ignorar o fato. Se ele não causa impacto, perde a graça", diz Fernanda Roche.
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