Fiz uma verdadeira viagem no túnel do tempo, outro dia, enquanto trocava mensagens com uma mãe muito angustiada que me contava como deprimia ao amamentar.
Não pude evitar lembrar das minhas madrugadas insones, amamentando meus gêmeos. Quanta exaustão. Eu era invadida por uma raiva... Eu não sabia o que fazer e não tinha coragem de contar para ninguém. Até que um dia, aos prantos, na frente da pediatra consegui vomitar o que me comia por dentro:
- Eu tenho o direito de querer me sentir feliz por ser mãe! E eu não consigo! A única coisa que eu quero é dormir, sumir, ser outra pessoa. O que aconteceu com a minha vida?!
Isso saiu de dentro de mim como um rojão. As lágrimas corriam pelo rosto e nos meus braços um dos bebês me fitava com um olhar angelical. Que loucura... Quando me lembro, parece uma cena de filme. Mas eu pude falar. Tantas mães não podem, ou não se permitem.
Alguém disse, em algum momento da história da humanidade, que todas as mulheres se sentem bem amamentando. Bem mesmo. Felizes, tranquilas, realizadas, presentes, sem desejar estar em nenhum outro lugar, que não ali.
Quem disse isso era um homem, pois não tem a menor ideia da complexidade e ambiguidade que os sentimentos maternos podem assumir de uma hora para a outra.
+ "Sempre é possível ajudar uma recém mãe perdida e desesperada", diz Chris Nicklas
Quando alguma mãe vem trocar mensagens comigo no “Amamentar é...” e começa a descrever, constrangida, que iniciou o desmame antes dos seis meses, já vou logo falando de mim e de como foi tudo complicado e confuso aqui em casa.
Acho de imensa importância a empatia.
O discurso da mãe super devotada, perfeita, que não entra em crise, já foi por água abaixo há muitos anos. Sabemos que o buraco é bem mais em baixo. Mas, assim mesmo, nos sentimos péssimas e nunca paramos de buscar dentro de nós esse ideal, que nunca sequer existiu.
O principal efeito desse discurso massacrante é uma sensação de dívida eterna, que não nos permite tomar as decisões que nos cabem.
Encontrar o equilíbrio dinâmico nessa balança é uma luta. Nos informamos, e preparamos, para desempenhar um papel pré-estabelecido. Nos deslocamos do nosso próprio eixo para corresponder à demanda da sociedade e quando nos damos conta já nem sabemos mais quem somos e mal conectamos com o bebê. Estamos sempre desempenhando funções e papeis.
Que insano.
Quando debatemos sobre a solidão implacável que tantas de nós vivenciam no início da maternidade acho que, na verdade, estamos falando dessa impossibilidade de ter uma voz.
Sozinhas na multidão, assim nos encontramos. Porque, de fato, somos muitas. Por isso, se você aí que me lê, está passando por dificuldades emocionais, procure ajuda, não se cale.
Eu sei que não é fácil encontrar quem nos ouça sem preconceitos e juízo de valor, mas é importante que de alguma forma você possa entrar em contato com o que sente e, então, seguir em frente com a jornada que são os primeiros meses de vida do bebê.
Use tudo o que a medicina e a ciência descobriram, sobre o desenvolvimento do bebê, a seu favor. Cuidar de você é o mesmo que cuidar do seu filho.
Não desista de você.
Chris Nicklas é apresentadora, criadora e gestora do site Amamentar é…, estudante de Psicologia e mãe dos gêmeos Luca e Nina de 15 anos. (Foto: Edu Rodrigues)
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Chris-Nicklas-Amamentar-e/noticia/2019/04/eu-tenho-o-direito-de-querer-me-sentir-feliz-por-ser-mae-mas-unica-coisa-que-eu-quero-e-dormir-sumir-ser-outra-pessoa.html