A grande escritora e candidata à Academia Brasileira de Letras Conceição Evaristo me concedeu uma entrevista há oito anos (quando eu ainda não tinha filhos) e me disse que sua mãe não a abraçava, e que, quando foi crescendo, aquilo fez falta em algum momento de sua vida, mas só depois ela compreendeu. Na verdade, Conceição entendeu, ou pelo menos assim decidiu entender, que sua mãe não a abraçava para que ela não relaxasse em nenhum momento. Para que fosse forte para enfrentar os desafios. Aquela mãe negra dizia, com um “não gesto”, que o mundo era duro e que a filha deveria estar pronta para enfrentá-lo. Esse depoimento não saiu da minha cabeça dia nenhum. Até hoje penso nele.
Quando meus filhos nasceram, meu gesto foi o oposto: muitos abraços, muitos beijos, expressões de afeto a todo momento, cuidado e atenção. Isso sem falar na carga mental que muitas mães reclamam que nós, pais, não temos. Carga mental é não descansar a mente nunca. É estar atento a respeito dos horários dos médicos, das atividades extraescolares e dos exercícios de casa a serem cumpridos, mesmo naqueles momentos em que a responsabilidade pelos cuidados com os filhos não for sua. É pensar a todo momento. E, sendo assim, nunca se preocupar apenas com si mesmo ou com outros temas, já que cabe a você a responsabilidade, vinte e quatro horas por dia, do bem-estar das crianças.
A história da Conceição faz parte da minha carga mental. A frase dela retorna sempre aos meus pensamentos.Vejo meus filhos e percebo que são duas crianças doces, que não sabem lidar com a violência e a mentira. Em um mundo cheio delas, isso é um risco, um perigo. Essa é a pergunta que me faço todos os dias. Será que estou preparando os meus filhos para o mundo?
Não tenho resposta para isso. Ser pai e mãe é ter dúvidas constantemente. E, na falta de certezas, tentamos todos os dias contaminar outras pessoas com incentivo ao afeto, à doçura e à não violência. Acho que, no entanto, nossos filhos estão preparados para o mundo que ainda virá. O de hoje é o mundo da barbárie. A violência se estabelece dia após dia. As expressões de ódio são jogadas na nossa cara diariamente – e nós reagimos a isso. Muitas das vezes também agressivamente.
Mas prefiro acreditar que preparar um filho, preparar uma criança para o amor e o afeto – ou seja, fazê-la ter consciência de que a violência e a mentira estão aí, mas não é o que nós merecemos –, é importante.
Só espero que essa fase horrível passe e que eles possam desfrutar do futuro para o qual estão sendo preparados. Enquanto isso, tenho receio em pensar no bem-estar das nossas crianças – que muitas vezes, até no ambiente escolar, são contaminadas pelas nossas maldades de cada dia.
LÁZARO RAMOS é ator, apresentador, diretor e escritor, casado com a atriz Taís Araújo e pai de João Vicente, 7 anos, e Maria Antônia, 3
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