Thursday, November 21, 2019

Denise Fraga: "Acho que não é o barulho [dos bebês], mas a vida livre, em sua forma pura, que incomoda muita gente"

Mãe ninando o bebê (Foto: Getty Images)

 

Acabamos de estrear uma nova peça. Em uma das primeiras sessões, chegou ao teatro um casal com seu bebê nos braços. Sempre fico enternecida com quem leva seu bebê ao teatro. É claro que temo que o pequeno acorde e resolva acionar a sirene da mamada em plena pausa dramática. Costumo receber o público na porta e, quando vejo um pequenino chegando, sempre digo que ele é muito bem-vindo, mas faço um combinado delicado com sua mãe de que, se ele começar a chorar pra valer, será levado para fora da sala, mesmo que ela esteja adorando aquela parte da peça. Mas realmente admiro as famílias que não se privam de ir ao teatro por conta de não terem com quem deixar os seus bebês. E acho bonito ter aquela presença encantada de uma criança dormindo, enquanto estamos todos mergulhados naquela espécie de sonho coletivo que é o evento teatral.

Nossa nova peça é uma trança de histórias reais com música, poesia, humor e literatura. A vida correndo ali no palco embalada pela arte.

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Pois justo num momento de delicadeza do espetáculo, onde provocamos uma reflexão sobre a mobilidade, a fugacidade, a efemeridade da nossa existência, o bebê se manifesta. Parecia que tínhamos ensaiado, eu e meu pequeno companheiro de cena. Fiquei até com medo de a mãe cumprir o nosso combinado e sair, pois o que eu tive vontade mesmo de fazer foi mudar o script e trazê-lo à cena, para ver personificada no palco a vida em sua forma pura, máxima, sem freio, inteira, livre e possível como deveria ser. Mas não, o choro não foi tão intenso, ela não saiu, eu não tive coragem de mudar o script, mas a plateia reagiu, cúmplice, ao ser acordada para a vida por aquele personagem-símbolo de nossa mobilidade.

Acho muito impressionante como não escutamos mais tanto barulho de crianças, a não ser que você more perto de uma escola. Moro num edifício que não tem playground, e as poucas crianças que moram aqui costumavam brincar na frente do prédio. Era aconchegante chegar e ter de passar ali, no meio da brincadeira, sentir aquele vozerio infantil. Vida pura correndo.
Bem sei que não deve ser fácil ouvir crianças brincando o dia inteiro. Se elas estivessem aqui ao lado agora, enquanto escrevo este texto, talvez fosse difícil me concentrar. Mas foram muitas as reclamações do barulho, para as poucas horas que as poucas crianças do meu prédio soltavam seus iPads e se dispunham a brincar.

Não as tenho visto. Acho que as reclamações surtiram efeito. Acho que elas também cresceram e podem estar passando mais tempo em suas telas, playground silencioso de todos nós.

É curioso. Jantares entre poucos amigos nas casas já fazem tocar interfones. Que silêncio é esse que andamos buscando, num mundo cheio de fones de ouvido? Desconfio que não é o barulho, mas a própria vida livre, em sua forma pura, que incomoda muita gente.

Denise fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 20 anos, e Pedro, 18. (Foto: Caue Moreno / Editora Globo)

 

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