
Em uma sessão com o psicólogo que me acompanha (obrigado, Marcelo), eu contava que nas minhas caminhadas pelo Parque do Ibirapuera, algumas vezes sozinho, outras com a Janice (companheira e parceira de vida), com o Renato e o Danilo (filhos), muitas reflexões aparecem e me fazem ... refletir, lógico.
Aí ele me contou que eu poderia fazer parte dos “Peripatéticos”. Oi?
Amamentação e hormônios: a ciência por trás do vínculo entre mãe e bebê
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“O termo peripatético é uma transliteração da palavra grega antiga peripatētikós, que significa 'de caminhar' ou 'dado a caminhar'.”
Essa foi uma escola fundada por Aristóteles (334 A.C.) que caminhava e se reunia no Liceu, um templo em Atenas, onde seus discípulos ouviam, debatiam, escreviam e se educavam a respeito da filosofia da época. Outros filósofos também palestraram por lá, entre eles Platão e Sócrates.
Em uma dessas minhas “peripateticadas” (inventei, tá?), nesse final de semana com a Janice, enquanto conversávamos sobre “e se tivéssemos tomado decisões diferentes”, eu me lembrei de um comentário de um grande amigo, ótimo e polêmico jornalista esportivo (Fábio Rocco Sormani) e torcedor do Santos Futebol Clube, assim como eu.
“E se o juiz tivesse expulsado aquele jogador, ele não teria feito o gol e, assim, o Santos teria ganhado o jogo”.
A essa frase, a fala dele sempre segue comigo para a vida:
“No futebol (e podemos dizer que em praticamente tudo na vida) não existe uma linearidade. Esse jogador, se expulso, não teria feito o gol, mas quem garante que outro não o faria e o resultado seria até pior?”
Leite materno: Precisamos evoluir no nosso “marketing”?
A essa altura da nossa conversa, Janice soltou uma frase, que, obviamente, virou a razão desse texto:
“Em árvore de se, nasce um monte de talvez.”
E se...
E se todas as mulheres no Brasil tivessem o acompanhamento adequado no seu pré-natal, e nele se abordasse a amamentação e a doação de leite, mais mulheres amamentariam?
E se todas as mulheres fossem acolhidas e orientadas a respeito de sua amamentação na maternidade e tivessem sua hora dourada, mais bebês teriam alta em aleitamento materno exclusivo (AME)?
E se mais bebês tivessem alta em AME, eles seriam amamentados exclusivamente até os seis meses, as taxas de aleitamento materno até 1 e 2 anos seriam mais significativas e doenças infantis infectocontagiosas e óbitos em crianças abaixo de 5 anos seriam prevenidos e evitados?
E se as licenças-maternidade para todas as mulheres fossem de seis meses, muito mais mulheres amamentariam exclusivamente seus bebês?
E se mais mulheres amamentassem até 2 anos ou mais, elas preveniriam e evitariam quadros e mortes por câncer de mama e de ovários, além de outras patologias?
Aleitamento materno: complexo, desafiador, importante, científico
E se as políticas públicas fossem efetivamente elaboradas para fazer justiça às mulheres que amamentam, em relação a licença-maternidade, volta ao trabalho, salas de apoio à amamentação, valorização de seu trabalho de cuidado, mais mulheres amamentariam?
E se o ensino do aleitamento materno começasse na pré-escola, passando pelo ensino fundamental, chegando a todas as universidades, em especial aos profissionais de saúde materno-infantil, aperfeiçoando a informação e a vivência da amamentação, as lactantes teriam condições de se manter no processo com embasamento científico e apoio adequados?
E se o curso de aconselhamento fosse obrigatório em todas as universidades, para todos os alunos, e se destacasse a importância de escuta ativa, empatia, sem julgamento para a vida, as mulheres, bebês e a amamentação seriam beneficiadas?
E se o marketing agressivo e abusivo fosse identificado e controlado por leis e punidos exemplarmente em caso de desobediência e descumprimento, as mães teriam liberdade de escolha, sem pressões psicológicas e seguiriam seu planejamento, apoiadas na ciência e em uma rede de apoio, inclusive profissional, ética, atualizada e acolhedora?
E se algumas dessas metas fossem atingidas, a amamentação seria acessível a cada vez mais bebês no Brasil, favorecendo a saúde materno-infantil e criando um ambiente e uma sociedade mais saudáveis?
E se houvesse a possiblidade de todas essas metas (e mais outras) serem atingidas, as taxas de aleitamento materno desde a sala de parto até 2 anos ou mais, exclusivo e em livre demanda até o 6º mês aumentariam?
E se um desses “E se” não acontecesse, isso inviabilizaria os outros “E se”?
Tudo isso é verdade, mas isso não é toda a verdade. Lembra dos “talvez”?
Amamentar não evita e não previne todos esses malefícios, mas diminui sensivelmente os riscos.
Não amamentar não é uma sentença e não garante esse prejuízo à saúde, mas aumenta muito os riscos.
Essa é uma conclusão muito delicada e não deve, de maneira alguma, trazer qualquer dúvida sobre as potenciais ações favoráveis da amamentação e a nossa proposta de que cada mulher que deseje amamentar atinja seus objetivos plenamente, amparada pela lei e acolhida pela ciência.
Não há como esperar que todos esses “E se” entrem em conjuntura para que se atinja a meta em relação à amamentação, porque “talvez” não seja necessário que tudo conspire a favor. E mesmo que todos esses “E se” fossem superados, “talvez” eles não fossem suficientes para esse desfecho.
O leite humano é o padrão-ouro da alimentação infantil, é fator fundamental na imunidade dos bebês. Amamentação traz vantagens às lactantes e aos lactentes que a praticam.
Amamentar é um processo multifatorial, interdisciplinar, transgeracional, cultural, social, econômico, político, ético, ecológico.
E se você chegou até aqui, talvez a gente possa ter esperança de mudar esse panorama.
A única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível
Dr. Moises Chencinski é pediatra, membro afiliado da WABA. Coordenador do livro "Aleitamento Materno na Era Moderna. Vencendo Desafios", da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)
Arquivo pessoal
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