Tuesday, May 26, 2020

#MãesnaSaúde: "Estamos preocupados com o uso indiscriminado da hidroxicloroquina", diz farmacêutica

Julia no trabalho e com o filho (Foto: Arquivo pessoal)

 

Quando se pensa em profissionais de saúde que lutam contra a COVID-19, logo vêm à mente os médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem. Porém, outras categorias também estão no front na guerra contra essa pandemia. É o caso da farmacêutica Júlia Sarmento, 37 anos. Natural de Belém, no Pará, a profissional mora em São Paulo há sete anos, junto com o marido Carlos Berlfein e o filho Henrique, de 1 ano e 5 meses. 

A farmacêutica trabalha em um hospital em São Paulo e viu sua rotina mudar completamente com a pandemia do coronavírus. A história de Júlia faz parte do especial #MãesnaSaúde da CRESCER. Nosso objetivo é contar história de guerreiras que estão no front, na luta diária para salvar vidas, enquanto muitas vezes cuidam dos seus filhos a distância. Em entrevista, a profissional de saúde conta como é o seu dia a dia em meio à pandemia do coronavírus. Confira!

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Com a pandemia, a primeira mudança que senti foi a troca de setor. Antes do coronavírus, eu trabalhava fazendo ronda nos andares e tendo contato com os pacientes. Era em média um farmacêutico por andar. Em março, pedi para a minha coordenadora para me trocar de setor, já que meu marido é asmático e está no grupo de risco. Fui para a sala dos farmacêuticos, onde ficamos resolvendo os problemas pelo computador e telefone. 

No hospital, nós farmacêuticos ficamos auxiliando a enfermagem com relação a dúvidas sobre o preparo dos medicamentos e diluição adequada das doses. Toda a prescrição médica é validada por um farmacêutico. Costumava andar nos andares e conversar com os pacientes, saber se eles precisavam de algum medicamento. Logo no início, cheguei a ter contato com uma pessoa com a COVID-19, mas ainda não sabíamos o seu diagnóstico. Quando soube que ele estava com doença, fiquei com medo, porém acabei me acalmando, porque, na época, já estávamos usando todos os EPIs (Equipamento de proteção individual) necessários.

No meu trabalho, também sou muito cuidadosa. Não me sento em uma cadeira sem limpar e nem uso mouse, teclado e telefone sem higienizá-los. Para ir para casa é um longo processo de limpeza. Eu entro sem sapato e minha roupa já fica na área de serviço e em um balde separado. Além disso, parei de usar lente de contato para evitar de ficar coçando os olhos e me contaminar. Só depois desse processo, que leva em média 40 minutos, pego o meu bebê. 

Com a pandemia, precisei ajustar meus horários, já que meu marido também está trabalhando. Meu filho não pode ficar na casa dos meus sogros, porque eles são grupo de risco. Então, folgo às quintas e sextas e chamamos uma babá que vem de Uber até a minha casa e dorme com a gente três dias. 

Nesses últimos tempos, tenho me sentindo muito cansada. Nas minhas folgas, não consigo me dedicar ao Henrique, porque acabo ficando sobrecarregada com as tarefas domésticas. Além disso, ele está mais irritado. Antes o levávamos para brincar com os amigos, mas, agora, com a quarentena não é possível. 

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No meu trabalho, agora, já voltei a trabalhar nos andares com os pacientes, mas só com aqueles que não têm testes positivos para o coronavírus. Ainda tenho medo de me contaminar, já que tenho contato com muitos colaboradores do hospital. O meu maior receio é transmitir o vírus para meu marido e meu filho. É uma situação muito difícil. Apesar disso, não cogitei me afastar do meu bebê, eu até teria deixado o trabalho se fosse realmente necessário. 

Apesar de sempre andar de máscara no hospital, ainda temos medo, porque, infelizmente, praticamente toda semana temos um caso de Covid positivo em nossa equipe. Atualmente, percebo que está todo mundo muito cansado dessa pandemia. É uma rotina muito pesada no hospital, por conta da paramentação e desparamentação dos EPIs. Isso acaba sendo muito desgastante.  

Além disso, como é uma doença nova, nós devemos estar sempre atento às novidades na área clínica e aos protocolos feitos pelo hospital. Quanto à hidroxicloroquina, como farmacêutica, fico muito preocupada com o seu uso indiscriminado, porque os estudos clínicos estão ocorrendo agora, durante a pandemia. Não temos como afirmar a total eficácia dela. A minha preocupação é o uso indiscriminado sem acompanhamento médico e indicação correta, pois o medicamento pode causar efeito colateral grave, como a arritmias cardíacas e até o óbito. 

Com a pandemia, todo mundo quer se sentir seguro usando seus medicamentos em casa. No entanto, nós farmacêuticos estamos preocupados com esse uso sem orientação médica. Até agora, não tenho conhecimento de pacientes que se internaram e solicitaram a hidroxicloroquina, mas no nosso hospital estamos fazendo várias pesquisas clínicas com pacientes que queriam participar dos estudos. O hospital tem um protocolo clínico informando quais condições são necessárias para o uso do medicamento.  

Durante esse período, acho que um dos dias mais marcantes para mim foi quando perdemos o primeiro paciente para a Covid-19. Ele estava internado por 20 dias e evoluindo bem, mas acabou sendo entubado e faleceu. Eu não cheguei a conhecê-lo, mas é triste ver que a realidade do Covid tinha chegado. 

Um dia, fiquei emotiva, enquanto lia o prontuário de um paciente. Ele tinha voltado da entubação e a equipe fez uma chamada vídeo para os pais verem como ele estava. Chorei com essa situação. 

 

 

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Saude/noticia/2020/05/maesnasaude-estamos-preocupados-com-o-uso-indiscriminado-da-hidroxicloroquina-diz-farmaceutica.html

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