A paulistana Talita Belini, 39, desempenha dois papéis muito importantes: ela é mãe dos gêmeos Enrico e Isabella, 6, e é enfermeira. Em tempos de pandemia do coronavírus, equilibrar essas suas duas funções não tem sido fácil. Com medo de transmitir o vírus para os filhos, ela teve de deixá-los na casa dos sogros. Além disso, o trabalho acabou consumindo praticamente todo seu tempo. "O início da pandemia foi uma loucura, eu cheguei a trabalhar das 6 às 22 horas, para treinar minha equipe a como usar os Equipamentos Equipamento de Proteção Individual (EPIs)", diz. Seu marido, Ricardo Belini, também não parou de trabalhar, porque é engenheiro civil.
A história de Talita faz parte do especial #MãesnaSaúde da CRESCER. Nosso objetivo é contar história de guerreiras que estão no front, na luta diária para salvar vidas, enquanto muitas vezes cuidam dos seus filhos a distância. Com o avanço da Covid-19, os profissionais de saúde são os que mais sofrem com esse cenário. Na última semana, o Comitê Gestor de Crise do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) divulgou que já são mais de 10 mil enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem afastados pela doença no país, com 90 óbitos associados ao novo coronavírus.
Mesmo estando no front de batalha e vendo sua rotina mudar completamente, os profissionais de saúde estão sempre prontos para ajudar a população. Para entender um pouco melhor sobre o dia a dia deles, confira o depoimento da enfermeira Talita.
"A pandemia mudou a minha rotina completamente. No hospital em que trabalho, os pacientes que não são positivos para a Covid acabam sendo suspeitos. O início da pandemia foi uma loucura. Eu cheguei a trabalhar, por 20 dias, das 6 às 22 horas. Como atuo na área de controle de infecção, minha função era dar os EPIs para os profissionais de saúde e ensiná-los a usar.
Infelizmente, com esse cenário, tive que me afastar dos meus filhos. Eles ficaram por 20 dias com a minha sogra. No entanto, eu pirei, percebi que não dava para ficar totalmente longe. Eles são o nosso combustível. Então, fiz o teste para diagnosticar o coronavírus e como deu negativo, decidi pegá-los na minha sogra aos fins de semana. Mas, estou sem abraçá-los e beijá-los por um longo tempo.
Quando eu vou buscá-los, já tenho que começar a falar que não podemos ficar muito próximos. Eu digo: "Não pode ficar perto do rosto da mãe, nem beijar e abraçar, porque se não teremos que ficar longe novamente". A nossa rotina é essa agora. O Enrico chegou a falar um dia: "Mãe, eu odeio o coronavírus, quando ele vai embora, para eu poder te dar um beijo?".
Eu tento ficar distante, fico a maior parte do tempo de máscara, mas é difícil. A Isabella, por exemplo, é de contato, então quer sempre ficar perto. Para não levar o vírus para casa, quando chego ao hospital, troco de roupa e sapatos. Agora todos nós estamos usando a roupa privativa, que só se vestia no centro cirúrgico. Ao chegar em casa, eu tiro toda a minha roupa na porta e já vou tomar banho. Aqui em casa também tem muito álcool, então eu já faço toda a higienização.
Lá no hospital, no começo foi muito difícil, principalmente em março. Internaram muitas pessoas. Agora, eu estou com a minha UTI com 98% de ocupação. Acho vai começar essa segunda onda, porque estão vindo muitos pacientes.
No início da pandemia, os profissionais da saúde estavam muito nervosos. Por isso, eu não conseguia ir embora. Nossos funcionários estavam desesperados. Com medo de toda aquela paramentação. Aquela máscara N95, óculos, enfim tudo isso machuca. Eram muitas coisas para usar. Com o tempo, eles foram se acalmando mais. Nós tivemos todos os EPIs possíveis também, então foi mais tranquilo.
Agora, eles estão trabalhando um dia e folgando no outro. Nós lhe damos suplementos para imunidade todos os dias e eles recebem muitos mimos das empresas também. Assim. o clima está melhorando.
Quanto aos pacientes, ainda estão assustados, porque os que estão com a gente precisam de mais cuidados. Depois de voltarem do tubo, eles querem ver a família, mas não podem. Tentamos dar tablets para que eles possam entrar em contato, no entanto, eles se sentem muito sozinhos.
Esses dias não têm sido fáceis. Acho que um dos que mais me deixou chocada foi quando uma funcionária nossa ficou 19 dias entubada. Teve um enfermeiro também da nossa UTI que entubou e ficou muito mal. Esse processo de entubar é muito triste. Fazemos isso quando a pessoa não consegue mais respirar sozinha. E como se ela tivesse se afogando, então vai precisar de ventilação mecânica. Para isso, nós cedamos os pacientes.
Nossa previsão é de que tudo isso possa melhor em agosto ou setembro. Quando tudo acabar, quero reunir meus filhos. Sinto falta da nossa rotina, de fazer a lição, assistir ao desenho. Essa casa fica vazia sem eles. Não tem aquela gritaria. Mesmo sendo gêmeos, eles brigam! Não ficam um sem outro, mas brigam. Quando a pandemia passar, eu quero os abraçar muito".
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