A pandemia pegou a todos de surpresa! No entanto, conforme a quarentena foi se estendendo, não restou outra alternativa para alguns pais, a não ser tirar os filhos da escola. "Dois motivos me levaram a isso: o financeiro e o fato de eu assumir o papel de professora. Com a pandemia de coronavírus, houve uma redução drástica nos nossos salários. Além disso, assumir o papel de professora implica em ir atrás de atividades e se empenhar diariamente para ensiná-la. Isso, somado às tarefas do dia a dia, deixou de valer a pena. Então, optamos por fazer homescholling", admitiu Gilmara Guimarães, de São Paulo, que tem uma filha de 5 anos.
Enquanto, de um lado, os pais sofrem para equilibrar as contas, afazeres domésticos, filhos e trabalho, de outro, existem as leis brasileiras que determinam a obrigatoriedade do ensino para crianças a partir de 4 anos. No entanto, em um cenário extremo como uma pandemia, elas continuam valendo? Segundo o advogado Ricardo Cabezón, especialista em direitos da criança e do adolescente e membro da OAB/SP, a lei não teve flexibilizações. "O dilema ‘deixar ou não o filho matriculado na escola durante o ano letivo de 2020’ não se revela, à luz do ordenamento jurídico, uma opção para os pais, que têm seus deveres muito bem salientados na legislação. Diante das leis, o Poder Público, reconhecendo tal direito fundamental, vem acenando com uma flexibilização dos métodos e práticas de ensino para que, apesar da pandemia e seus reflexos, a educação continue sendo propiciada sem interrupção", explicou. Ele lembrou que, em tempos de pandemia, as aulas passaram a ser ministradas por intermédio de plataformas virtuais, pela televisão e, em algumas regiões, pelo rádio ou aplicativos de celular. "Caso a família da criança não tenha recursos ou acesso à internet, a escola deve propiciar material impresso para realização das atividades", exemplificou.
Por outro lado, segundo os advogados Diego Euflazino Goularte e Thais Dantas, presidente e vice-presidente, respectivamente, da Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB/SP, apesar de a Lei não ter sofrido qualquer alteração, os critérios para sua interpretação, necessariamente deverão passar pelas limitações e incertezas impostas pela pandemia de coronavírus. "O Código Penal, em seu artigo 246, qualifica como crime de abandono intelectual 'deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar'. O que significa, em termos práticos, deixar de matricular e/ou possibilitar a frequência escolar. Nota-se que o enunciado da Lei exige um ato omisso, intencional e desvinculado de uma justa causa. O Brasil vive em Estado de Calamidade Pública desde março deste ano, ainda não há uma vacina para a doença e o contrato do contato social entre as crianças no ambiente escolar não se mostra possível. Portanto, não se mostra razoável a punição dos pais e mães, quando estes escolhem resguardar a vida e a saúde de seus filhos", defenderam.
QUAIS AS SAÍDAS?
A orientação de Ricardo é que, caso a família esteja passando por problemas financeiros, primeiramente, busque a ajuda da escola. "Deve-se comunicar a escola para que, juntos, possam encontrar uma melhor solução. Salientamos que a ausência de matrícula de criança ou o mero silêncio/omissão pode configurar a prática de crime de abandono intelectual previsto na legislação penal brasileira, além de infração administrativa perante o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso, na esfera cível, pode levar à perda da guarda e, até mesmo, a suspensão ou destituição do poder familiar", alertou.
Além disso, segundo ele, as escolas têm a obrigatoriedade de notificar o Conselho Tutelar da região diante de casos de evasão escolar para que se investigue e se apliquem medidas adequadas. "É direito dos pais manterem seus filhos em escolas particulares mesmo que somente tenham pago a matricula, os quais não podem ser prejudicados com a suspensão de atividades pedagógicas decorrentes de atrasos ou inadimplencia, sendo proibido às instituições de ensino se recusarem a ofertar a transferência, histórico ou qualquer outro documento em virtude do não pagamento", afirmou.
Já Diego e Thais defendem que é preciso que cada situação seja analisada separadamente. "Importante lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura direito à educação e que é responsabilidade compartilhada entre família, Estado e sociedade, de modo que é fundamental criar mecanismos para que esse direito seja assegurado a crianças e adolescentes, mesmo em contexto de pandemia", finalizaram.
AULAS VIRTUAIS NA INFÂNCIA
Além da questão financeira, muitos pais questionam sobre e aficácia das aulas virtuais para crianças da educação infantil. Afinal, faz sentido? Segundo Eduardo Marino, diretor de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, "educação infantil a distância é um tema delicado, uma vez que as crianças nessa fase dependem do convívio e dos estímulos para se desenvolverem". Para ele, nesse momento, mais importante do que fazer todas as atividades e estar presente nos encontros da escola, é que a criança receba carinho, atenção e que os adultos que vivam com ela estejam disponíveis de alguma forma para interagir, brincar e acolher.
Mesmo assim, de acordo com ele, manter um vínculo com a escola também ajuda. "É natural que crianças pequenas não consigam se concentrar por tanto tempo em frente às telas. Até os 6 anos, elas não têm a mesma autonomia e nem o mesmo poder de concentração das crianças maiores. E nem deveriam! A Sociedade Brasileira de Pediatria, inclusive, defende que, até os 2 anos, as crianças não sejam expostas a computadores, tablets, celulares. Depois desse período e até os 5 anos, o recomendado é uma exposição de até 1 hora. No momento que estamos vivendo, faz mais sentido termos uma visão holística do desenvolvimento do que pensarmos em desenvolver habilidades e atividades específicas, com conteúdos e ‘lições de casa’", disse.
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"Não podemos esquecer que as crianças pequenas aprendem e se desenvolvem por meio das brincadeiras e das interações. Portanto, vale a pena investir em propostas simples, como faz de conta, contação de histórias e atividades como desenho e jogos reais, não virtuais. Conversar com a criança também é uma atividade estimulante, que ajuda a desenvolver o raciocínio e a linguagem. Lembrando que nesta fase o cérebro da criança tem uma plasticidade incrível. Ou seja, quando ela retornar à creche ou pré-escola, vai continuar se desenvolvendo. Afinal, ela nunca deixou de aprender. Tudo o que a criança está vivendo neste momento, em casa, com a família, é aprendizado", finalizou.
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