Tenho provado o inimaginável coletivo. Sou mãe. Mãe na quarentena. Reclamando de barriga cheia. Cansada o suficiente das minhas culpas para declarar que meu melhor às vezes toma distância segura da minha contaminação.
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Vivo dias que são o original do rascunho do dia anterior.
Volto pra meditação diária a cada dois dias.
Acordo potente e vou diluindo Mariana nas horas.
Despetalando inspirações que cheiravam bem.
Quase sempre espremida em meio a um monte de tempo aglomerado.
Sigo atravessada da escancaração, movimentos experimentais e ritmos alternativos de lado B de filho e casamento.
Certa de que há de haver processo cármico envolvido.
Agravei minha ausência em grupos de bate-papo. O giro da minha redundância, embalado pela rotação geral, tem me dado enjoo.
Me revelei tutora torta de ensino à distância de filho.
Que testa junto a eles ferramentas arrojadas para um trabalho de crescimento em terreno desconhecido.
Que perde a mão e pede perdão.
A Deus também.
Pelas paralisias mesquinhas bem acompanhadas de argumentos respeitáveis.
Que dá o que consegue e tem conseguido se absolver.
Que abandona peso na consciência para socorrer alma.
Coisa de quem se farta de sentir e vira peso
Um acumulado de encontros e atritos por dentro que precisa de gente sua pra se derramar.
Que foge do uníssono dessa quarentena; "eu era feliz e não sabia".
Eu sempre soube.
Entendo cada vez mais sobre o desastre de ser feliz e não saber.
Por essas, saio catando pérolas.
Foi nesse isolamento, em meio a esse cenário de roteiro dramático e inacreditável, que presenciei pela primeira vez a alegria chegar em Francisca e transbordar.
Minha filha colorindo o amor, descobrindo suas matizes.
Francisca em pausa longa, cabeça baixa, sorrindo dos detalhes do vídeo que, Malu, uma de suas melhores amigas, lhe dedicou, arrebatada pelas imagens da cumplicidade delas, levada pela trilha, derramando alegria pelos olhos.
Teve Zeca, que aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas e pedala destemido, cambaleante me buscando, gritando pra garantir minha atenção. Como se eu pudesse me roubar esse momento, justo esse, em que o contentamento do meu filho parece que o ensinou a voar!
Foi daqui mesmo que assisti um amigo vencer um câncer domando dor e medo, se dobrando com coragem a um enredo inverossímil que antecedeu pandemia na sua história, e minha amiga Fabi, sua esposa, fazer desfile de fé lúcida, coluna ereta e amor que é descanso. Mostrando sobre sofrer bonito, com dramas de menos para uma pisciana de mais, como eu.
Tive vontade de lhe dedicar um vídeo só pela felicidade em tê-la na minha narrativa, do jeito que fez a Malu, com canção e tudo, mas tenho certeza que ela lerá essa coluna.
Teve também a Aninha, amiga há mais de 20 anos. Encontramos juntas nosso escape de volta. Andamos isoladas uma da outra, por conta de mazela que nos contagiou tempos antes da epidemia e não pudemos cuidar. Mas, o amor que é nosso, esteve só esperando pela gente.
Na contramão das estatísticas, vi o isolamento virando remanso de casal separado, refúgio com direito a trincheira pra proteger e bandeira branca pra desarmar. Trégua pela batalha de voltarem a ser família linda.
Apartada aqui, longe léguas da normalidade dos meus dias, se me fosse permitido fazer agora qualquer coisa de que estive privada todo esse tempo, não sei bem para onde eu iria, mas sei exatamente quem eu gostaria que estivesse lá.
É mesmo o tempo para nossos afetos; é mesmo o que nos diz quão livre somos.
Tenho catado pérolas.
Os detalhes que me cuidam.
As joias que são mundos inteiros.
MARIANA DU BOIS é atriz, mãe de Francisca, 7 anos, e Zeca, 4, e escreve sobre maternidade. "Agora eu era a mãe, era a rainha e era também a bruxa. E pela minha lei, filho meu será sempre feliz"
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