Monday, October 7, 2019

Mariana du Bois: "Para construí-los me desconstruí"

 

Francisca, Zeca e Mariana (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Zeca é tinhoso. Tão carismático e irresistível quanto marrento. Quarenta e cinco meses de uma ligeireza manhosa pra configurar sua birra. Um cidadãozinho que emperra numas cismas de tirar do sério, que banca provocações de quem sabe onde quer chegar. São nem quatro anos de existência. Acontece que ele tem a risada mais linda do mundo, que puxa o ar com a boca e dá umas engasgadinhas, o mesmo som emitido feito feitiço desde que aprendeu a gargalhar bebê.

E quando vem deitar perto, deita em cima, estende seu corpo no meu.

Bom, não cabe aqui ficar discorrendo sobre pormenores irresistíveis do meu caçula. Levo a sério conselhos do meu pai, e ele sempre diz que tenho que tomar cuidado pra não soar um tanto ridícula quando falo dos meus filhos.

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A saber; Francisca poderia ter sido algo como canonizada depois da chegada de Zeca.

A saber; Zeca ainda não cumpre um padrão de sono que dure mais de três noites. E tais padrões poucas vezes o revelaram dormindo noites inteiras.

Aconteceu que dia desses testemunhei meu filho num espernear performático no chão da sala. Não me lembro o agente da discórdia porque tenho tendência a desalinho mental quando sou exposta a estresse com apelo psicológico focado, ou quando estou com muito sono. E desordem máxima quando ambos se combinam.

A única coisa que lembro - porque naquele exato momento de exaustão, peguei uma rotatória, fiz o retorno pelo genioso no chão, voltei para mim e me retirei do circo - foi que o argumento da cena era um desejo não atendido.

Como num filme com narrador, um subtexto desenrolava ofegante na minha cabeça: e eu? como ficam os "meus" desejos? Onde fico eu? Meus desejos onde estão? Aquilo se alojou em mim, transitou comigo em busca de algum espelhamento alentador nos papos com amigas mães, e chegou aqui.

Ele não desgruda desde então.

No momento que me tornei mãe e botei luz em mistérios nunca antes explorados, soube que, durante um tempo, os bebês se sentem como uma extensão da mãe, mesmo do lado de fora, paridos, desconhecem onde terminam eles e começam elas. Eu, como uma "delas", decifrei tal enigma na pele.

É somente com o desenvolvimento mental, físico e emocional, que o bebê começa a perceber que tem seu próprio corpo, pensamentos e sentimentos, e vai cada vez mais querer fazer as coisas do seu jeito. E esse primeiro processo de autoanálise que um ser humano é obrigado a encarar, é acompanhado pela tal "ansiedade de separação".

Caí pra dentro de mim assistindo Zeca esperneando, tombei num lugar que confirma que meus filhos seguem determinados em seus desejos, enquanto parece que todo esse tempo, sou eu que ainda me comporto como se eles fossem prolongamento do meu corpo, extensão das minhas entranhas. Meu puxadinho de satisfação.

O meu prazer é o deles.

É na alegria deles que eu finco a minha.

O bem deles sentencia o meu.

Meu coração se arrebata na euforia do coração deles.

Encarei um mergulho despreparado na maternidade, quase desajeitado, às cegas e profundo.

Demorei a reconhecer o que veio à tona de sobra minha depois que me transmutei em mãe.

Para construi-los me desconstruí.

E ainda que às vezes me dê vontade de encara-los num tête-à-tête delirante pra verbalizar: Escutem, me escutem direitinho. Eu-não-sou-vocês! Também gosto de me sentir esfuziante. Sabe euforia? Aquela salada de sentimento bom? Então, seres amados, eu também gosto disso! Também gosto de brincar e ser feliz. De brincar com o papai, inclusive, e essas brincadeiras não incluem vocês!

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Posto que ainda me reconheça frustrada desconstruída, o entendimento de que essas crianças são munidas por mim e a consciência de que passei a estruturar seres no mundo, me dotou de um olhar para o meu lugar na vida, que nada nunca tomará o posto.

Só que, enquanto cuidei de abarrota-los de mim, domestiquei meus sonhos que seguem mansos em algum lugar.

E a falta deles tardou.

E, mesmo que hoje eu sinta vontade de espanar sem freios no chão como Zeca em nome dos meus desejos.

E que hoje, alguns dos meus desejos sejam de caminhos com espaço só pra eu passar, está claro que, para sempre, coisa melhor em mim só ganhará força lá nos meus filhos, só encontrará espaço em mim por causa deles.

Aquela premissa da extensão dos corpos.

A tal da separação que nunca há de se cumprir.

 

 

 

Mariana du Bois (Foto: Divulgação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MARIANA DU BOIS é atriz, mãe de Francisca, 6 anos, e Zeca, 2, e escreve sobre maternidade. "Agora eu era a mãe, era a rainha e era também a bruxa. E pela minha lei, filho meu será sempre feliz"

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Mariana-du-Bois-Agora-eu-era-a-mae/noticia/2019/10/mariana-du-bois-para-construi-los-me-desconstrui.html

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