O problema é real e há grandes chances de já ter acontecido com você: metade das mulheres brasileiras deixam seus empregos ou são demitidas até dois anos depois da licença-maternidade. Falta de apoio, dificuldade em conciliar carreira e trabalho, pouca flexibilidade e desamparo motivam a saída forçada ou voluntária de milhares de brasileiras do mercado de trabalho. Retrato de uma cultura organizacional incapaz de lidar com os desafios de uma nova realidade que se impõe em casa.
Isso reflete, de certa forma, uma atitude mais ampla da sociedade como um todo em relação à mulher que dá à luz um bebê. Sabemos que não é fácil criar filhos hoje. Mas, acima de tudo, é importante entender que ninguém cuida de filho sozinho. E em nosso mundo machista, essa carga fica, muitas vezes, apenas nos ombros da mulher.
A licença-maternidade, já curta em demasia, é abreviada para mulheres em cargos de confiança. A licença-paternidade, crucial para fundar uma família e aprofundar o vínculo do casal com o bebê, dura apenas 5 dias. Não há política de creche na grande maioria das empresas, nem própria e nem como benefício financeiro. Mães de crianças pequenas não têm flexibilidade para levar um filho doente ao médico, pegar na escola ou almoçar em casa. As que amamentam não dispõem de uma sala para ordenhar leite, um ambiente simples com privacidade, poltrona e geladeira. Precisam ir ao banheiro tirar leite escondidas. Vejam o triste simbolismo do descaso com um gesto tão precioso para a mulher, a criança, a família e a sociedade.
É passada a hora de estimular um profundo exame de consciência nas empresas: o que elas podem fazer pelas mães e pais que trabalham? Na última semana, participei do evento “Empresas pela Primeira Infância”, promovido pela revista Crescer e o jornal O Globo em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e pude constatar que existe muita gente estimulando esse debate.
Cresce, por exemplo, o número de empresas que oferecem a licença-maternidade ampliada. Um dos momentos mais delicados da vida de uma mulher e, portanto, de uma família, é o puerpério. A mulher fica extremamente sensível, com o corpo tomado por um turbilhão de hormônios, vivendo o luto simbólico do bebê idealizado e da mulher que um dia ela foi, livre e autônoma. Garantir mais tempo para organizar a nova rotina e fortalecer o vínculo com o filho é dar a ela mais oportunidade de desenvolvimento profissional na volta ao trabalho.
Ainda em menor número são as empresas que concedem ao pai o direito de passar mais tempo em casa quando nasce seu filho, permitindo que ele compartilhe com a mulher a rotina de cuidado e carinho com o bebê. Já existem evidências de que o aumento da licença para os homens tem reflexo direto no desenvolvimento das crianças e diminui a diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho. É impossível falar em igualdade de gênero sem falar em maior participação do pai na criação dos filhos.
E dá para fazer mais. Empresas podem colocar à disposição de mães e pais que trabalham ferramentas de educação parental que ajudam a entender e superar os desafios diários da criação, que são muitos. A ciência evoluiu muito nos últimos anos no estudo sobre o desenvolvimento das crianças e sabemos hoje que há formas mais e menos saudáveis de criar uma criança. Oferecer conhecimento às famílias é também apoiá-las na jornada da parentalidade.
E o melhor: ao investir em políticas como estas, as empresas estão investindo no seu próprio crescimento. No encontro promovido pela Crescer compartilhei com a plateia um vídeo em que uma mulher tenta se recolocar no mercado depois de anos dedicada aos filhos. Tentando contornar o que os empregadores apontavam como um vácuo no currículo ela se dá conta de tudo o que desenvolveu com a maternidade: habilidade de avaliar riscos; capacidade de esforço e sacrifício; comunicação e oratória; gerenciamento de recursos e crises; capacidade de motivar os outros; planejamento e organização; perseverança; gerenciamento de equipe e liderança.
Ela tem o “plus” que as empresas tanto buscam. Inteligência emocional, flexibilidade, capacidade de organização e iniciativa, energia positiva, coragem para enfrentar problemas e resolvê-los. Toda empresa, dos pequenos negócios às grandes corporações, valoriza e muito estas habilidades. E há muitas outras, como a capacidade de empatia, tão fortalecida em nós depois de termos filhos.
Enfim, investir em Primeira Infância requer atenção, apoio e amparo à mãe. Da parte do companheiro, da família, da comunidade, das empresas e das políticas públicas. A velha frase “é preciso toda uma aldeia para cuidar de uma criança” expressa uma verdade muito profunda, e essa rede de apoio se dá em torno da figura materna. Cuidar da criança é cuidar da mãe.
E podem ter certeza, caros gestores, empresários, acionistas e conselheiros: cada centavo investido na proteção e cuidado das mães trabalhadoras da sua empresa voltará multiplicado. O “treinamento” de criar filhos é inestimável, um tremendo valor agregado, como se diz no jargão corporativo. Não se pode desperdiçar um recurso tão valioso.
Obs.: Essa é uma causa que me move. Por isso, se você quer fazer diferente na sua empresa, te convido para uma conversa. Me escreva para danielbeckerped@gmail.com ou me mande uma mensagem nas redes sociais..
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Daniel-Becker-Pediatria-integral/noticia/2019/12/cada-centavo-investido-na-protecao-e-cuidado-das-maes-trabalhadoras-da-sua-empresa-voltara-multiplicado.html