Vocês só falam de filho! Qual mãe ainda não ouviu isso? Do próprio marido, do lado masculino da mesa ou de alguma amiga que ainda não tenha decidido passar pela aventura da maternidade.
Quando é comigo, respondo: “Não tô falando de filho, tô falando de mãe. De mãe, de mim, de todas as mães, da questão mãe, entendeu?!”. Fato é que esse virou mesmo meu assunto predileto, desde que não entre muito na cor do cocô. Podemos até começar pelo cocô, mas, invariavelmente, a conversa vai parar no ponto X, o mais interessante, o lado existencial, o ser mãe, ser colocada em xeque todo dia, caminhar no fio da navalha onde palavras são pérolas para um serzinho tão disposto ao mundo.
Quando o X é alcançado, a conversa pode me fazer ir dormir às 4 da manhã, sem esquecer que o pivô do assunto, aquele de 4 anos, vem me acordar às 7. Filho faz você pensar muito! Me lembro muito bem, na mesa do jantar, quando nosso pequeno Nino, que mal articulava uma frase inteira, com a boca cheia de repolho, perguntou: “Mamãe, você gosta de repolho?”. Não vou saber explicar aqui. Acho que mesmo com todos os gestos e olhares de que uma atriz dispõe para tentar se expressar, eu não conseguiria fazer vocês entenderem completamente o que me aconteceu ao ouvir “mamãe, você gosta de repolho?”. Aparecia ali pra mim Nino, o homem. Aquele que com menos de 3 anos queria saber uma opinião, o mesmo que, um dia, iria adjetivar e abstrair.
Meu Deus! Não sei o que me aconteceu. Foi uma frase, uma pergunta simples que me fez ver que eu tinha ali na minha frente uma personalidade que me acompanharia a vida toda, que cresceria deixando o tênis pela sala e que um dia, com uma mão enorme, talvez desse um carinhoso tapa na minha bunda querendo me dizer que alguma coisa não tem importância. “Adoro, filho, eu adoro repolho.”
Filho faz você pensar muito. Você pensa na vida, no que você vai ser, o que eles vão ser, a melhor maneira de cumprir sua missão por aqui... Você pensa e fala. E, quando você fala, parece que você está falando de filho, mas você está falando de existir! Hoje estou filosofando muito. Depois que tive filho, senti vontade de voltar pra faculdade. Só não sabia se psicologia, pedagogia, antropologia, filosofia ou até física, já que a ciência anda por aí tentando explicar o milagre da vida. Mas desisti porque, depois dos filhos, o que você menos tem é tempo. E eles vão lhe ensinando muito.
+ Denise Fraga: o que precisa ser feito
O mesmo Nino uma vez me viu com uma calcinha de florzinha e falou: “Mamãe, que calcinha é essa?”. “Uma calcinha da mamãe, filho. Você gostou?” Passa um tempo e ele solta: “Já sei como é a vida, mamãe. Homem gosta de passarinho e mulher gosta de borboleta”. Fiquei pensando naquela simplicidade. No que teria a ver a calcinha de florzinha com aquela “filosofada” infantil. Não sei. O que sei é que é sensacional ter crianças em casa. Elas nos restabelecem a lógica. Nós vamos fazendo curvas e elas nos põem na reta, nos ajeitam o pensamento.
(junho de 2004)*
*Durante três edições, vamos republicar colunas de outros tempos, enquanto Denise se dedica a um projeto que exige dela atenção exclusiva. Já já ela volta!
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