Tuesday, September 18, 2018

Por que prescrever a brincadeira na consulta do pediatra?

festa brincadeira (Foto: Reprodução Instagram)


 

O texto desta quinzena aqui na nossa coluna na Revista Crescer é para você compartilhar com todo mundo que ainda acha que brincar é coisa de criança que não tem nada melhor para fazer.

Em agosto, a Academia Norte-Americana de Pediatria (AAP — American Academy of Pediatrics) publicou um documento científico que traz a indicação para os pediatras advogarem junto às famílias, nas consultas de rotina, a favor da brincadeira. Intitulado “O Poder do Brincar: o Papel do Pediatra no Aprimoramento do Desenvolvimento de Crianças Pequenas” (a tradução é minha), o texto traz importantes atualizações científicas que confirmam que brincar é fundamental para o bom desenvolvimento de qualquer criança. E este direito precisa ser respeitado por nós, adultos.

Nas palavras do próprio documento, as crianças precisam desenvolver uma variedade de conjuntos de habilidades para otimizar seu desenvolvimento e gerenciar o estresse tóxico.

Para quem desconhece o termo, o estresse tóxico é formado por todos os estímulos negativos que recebemos quando crianças, com os quais não conseguimos lidar. O estresse tóxico contribui negativamente na formação de qualquer criança.

Ainda voltando ao estudo, pesquisas demonstram que o desenvolvimento apropriado do brincar com os pais e colegas é uma oportunidade singular para promover as habilidades socioemocionais, cognitivas, de linguagem e de autorregulação que constroem a função executiva e um cérebro pró-social.

Além disso, o brincar dá suporte à formação de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes com os adultos. A brincadeira não é algo sem importância. Na presença de adversidades na infância, a brincadeira se torna ainda mais importante. Aliás, em uma entrevista para o Tempojunto, a a consultora na área de Sobrevivência e Desenvolvimento Infantil do UNICEF, Carolina Velho, contou que a brincadeira é a principal “arma” usada pela entidade em campos de refugiados com crianças e em situações de emergência.

O relatório apresenta, em resumo, informações aos pediatras para promover os benefícios da brincadeira e para prescrever uma receita para brincadeiras nas consultas.

“Em uma época em que os programas da primeira infância são pressionados para adicionar mais componentes didáticos e menos aprendizagem lúdica, os pediatras podem desempenhar um papel importante ao enfatizar o papel de um currículo equilibrado que inclui a importância da aprendizagem lúdica para a promoção do desenvolvimento saudável da criança”, contextualiza o documento.

Como é que paramos de dar importância ao brincar?

A publicação deste artigo para mim trouxe duas reflexões. Primeiro, claro, a felicidade de constatar que mais e mais entidades sérias relacionadas ao desenvolvimento das crianças, falam sobre o brincar. E a brincadeira volta a ser assunto cada vez mais relevante no mundo da maternidade e da paternidade.

Mas, ao mesmo tempo, eu me questionei quando foi, afinal, que a brincadeira perdeu seu espaço na vida das crianças. A ponto de precisar ser receitada por pediatras para que a gente se dê conta da sua relevância. A brincadeira nunca deixou de ser importante para as crianças.

E aí que a pergunta não é quando. Mas “como”. Um dia, nós pais começamos a ser bombardeados com informações que o caminho para a felicidade seguia a trilha “estar bem preparado-produzir resultado - ser bem sucedido-ser respeitado-ser amado-ser feliz”.

A felicidade dos nossos filhos (que todos queremos) foi diretamente relacionado a ser bem sucedido do ponto de vista de produção de resultados.

Quando lááááá atrás, a criança foi incluída na sociedade do trabalho e passou a figurar na cadeia produtiva da sociedade, ela passou a ser vista como “alguém”. E mesmo agora, que o trabalho infantil está condenado (não extinto, infelizmente, mas condenado), a expectativa de a criança produzir algum resultado ainda persiste.

Nós viemos da cultura de valorização da produtividade . Somos os workaholics. E acabamos vendo nossos filhos a partir deste prisma. Para serem felizes, eles terão que ser produtivos. E para ser produtivos, as crianças precisam cada vez mais cedo a se preparar para a competitividade do mundo. E a brincadeira não cabe nesta conta. Brincar “não é produtivo, nem dá resultado”. Oi?

Felicidade não é um gráfico de resultados.

E muitos jovens hoje já percebem que a receita “preparado-produtivo-resultado-sucesso-reconhecimento-amor-felicidade” está incorreta e não segue mais esta linha.

E nós pais não somos responsáveis pela felicidade dos nossos filhos. Somos, sim, responsáveis por dar condições para que eles busquem a própria felicidade, dentro do potencial e do querer deles.

E brincar passa por estas condições. Bóra brincar!

Patricia Tempo Junto (Foto: )

Patrícia Marinho é publicitária, mãe de duas meninas, de 11 e 4 anos; e Patricia Camargo é jornalista, mãe de um menino de 8 anos, e duas meninas de 6 e 5 anos. As “Patricias” são sócias do Tempojunto, que mostra como a brincadeira é fundamental para o desenvolvimento das crianças e dá sugestões práticas de como incluir o brincar no dia a dia e na relação entre as mães, os pais (e tios, e avós...) e seus filhos. Aqui elas tiram dúvidas, dão dicas e contam como o brincar pode fazer a diferença no convívio com as crianças de qualquer idade.

App Globo Mais (Foto: Crescer)


 



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