Sou tia-avó outra vez. Agora em dose dupla. Minha sobrinha Carol e meu sobrinho Dani nos deram de presente dois lindos meninos gêmeos, bem diferentes entre si. Dois bebês, assim, de uma vez, a serem disputados pelos ansiosos colos da família. Seus pais são generosos. Imagino que, quando se tem gêmeos, os braços alheios são aceitos de bom grado, mas não é só por isso que Carol e Dani compartilham os seus bebês com os colos da família. Eles têm uma visão de mundo. Fiquei honrada e agradecida quando, logo na primeira visita, Carol me lançou um: – Quer pegar, Dê?
Nessa vida profissionalizada que temos vivido, com receitas de bem viver e manuais de instrução inaugurando a todo momento uma vida ilusoriamente perfeita e asséptica, em que o cheiro do álcool gel vem anulando o perfume da vovó, acabei me sentindo realmente agraciada pela generosidade de minha sobrinha. Os próprios Lucas e Francisco reforçaram em seus pais, assim que nasceram, essa ideia da vida móvel e surpreendente, em que dois bebês podem chegar ao mundo ao mesmo tempo, cada um de sua forma e exibindo carinhas completamente distintas.
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Um bebê só já é algo milagroso. Não encontro palavra melhor para definir fora do clichê um bebê recém-nascido. Mas dois bebês diferentes de uma vez, na mesma sala, em vários colos ou até juntos no mesmo colo, dois choros simultâneos, pezinhos, mãozinhas, quarenta dedinhos, se configuram não só como um milagre, mas um espetáculo da existência, uma espécie de show pirotécnico da própria vida, uma performance exibicionista da humanidade a que tenho assistido.
Ainda ontem, passei umas boas duas horas com Lucas dormindo em meu colo. Senti o corpinho se rendendo e pesando sobre o meu peito. Desculpem, mas não estou conseguindo encontrar as palavras justas para a grandiosidade do sentimento que tenho experimentado.
Ao colocarem seus bebês no colo da família, meus sobrinhos generosos nos ensinam não só sobre o amor, mas nos permitem experimentar a sensação de pertencimento à humanidade. Vemos que gente nasce. Às vezes, em dupla, e para seguir caminhos diferentes. Gêmeos trazem em si a raiz da convivência, o começo de uma sociedade. Vieram dobrados e multiplicam-se em nossos colos.
Viram três, quatro, vários bebês, nos escancarando quem fomos um dia para ser o que somos hoje. Atiçam a nossa memória primordial. Fazem com que lembremos de nossos filhos e de nossas mães. Da cadeia da existência.
Apresentam-se na forma de dois em um para que lembremos que, ainda que sendo bilhões, sempre seremos só um, frutos reunidos da mesma mãe terra. Passei assim a tarde, respirando com Francisco. A certa altura, o cão Xavier deita em meu pé para ampliar ainda a epifania da existência. Minha cunhada, avó dos bebês, grita: – Xavier! Larga a chupeta!
Olho pra baixo e vejo a adorável figura de um shihtzu chupando chupeta, cão-gente que é.
Em muitas casas, a chupeta seria devidamente jogada no lixo. Carol foi esterilizá-la com toda a serenidade de seu novo papel de deusa parideira, perpetuadora da espécie, mãe da humanidade inteira, capaz de compreender a riqueza e a beleza das imperfeições.
DENISE FRAGA É ATRIZ, CASADA COM O DIRETOR LUIZ VILLAÇA E MÃE DE NINO, 21 ANOS, E PEDRO, 19
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