Wednesday, March 13, 2019

O tamanho do mundo que nossos filhos começam a ganhar

Francisca começa uma nova parte da vida (Foto: Arquivo pessoal/ Mariana du Bois)

 

Francisca,

Você chegou ao primeiro ano do ensino fundamental, se formou na escolinha. Teve celebração com beca e tudo!

E teve seu recato, sua cautela.

Daquele seu jeito que me explica o silêncio como o caminho certo para ajeitar os sentimentos enquanto você ainda não os entende.

Ali, mesmo que te vendo vestir, orgulhosa, sua beca vermelha e, mesmo que eu já soubesse a resposta, perguntei se você estava feliz, então, você me disse que não sabia o que estava sentindo. 

Sei que você não sabia se estava gostando de se dar conta que deixaria a escola de toda a sua vida para trás, filha.

Mesmo que “toda sua vida” signifique uma vida de seis anos, chegou o momento em que você entendeu que deixaria professores, espaços e cheiros num lugar que não mais te pertenceria, o lugar onde você floresceu, onde descobriu a Francisca além da menina e do amor aqui de casa, onde começou a espiar o mundo, a topar enfrentamentos, onde aprendeu um tanto sobre si e, mais importante, um monte sobre o outro.

Eu nunca havia tido um filho numa escola, e é bem verdade que foi angustiante a estreia nessa vivência de entregar alguém que componho com amor, para outros comporem, em parceria. Sua escola nunca foi de grande de porte, de área, mas, no começo, a gente a chamava de escolinha, só para que correspondesse ao tamanho do ano e meio com que você chegou por lá. Então, quando, enfim, me habituei e me afeiçoei àquele seu mundo, você já fazia parte da turma de crianças mais velhas e tinha se tornado proporcional ao tamanho de toda a grandiosidade sem medidas que aprendeu ali.

Agora, lá foi você para uma escolona. De janelas, corredores e arquitetura enormes.
E, embora você tenha encarado aquele tamanho todo com naturalidade e coragem, e embora eu tenha fingido que eu também, foi duro te entregar novamente para que sua composição siga ali, naquele outro mundo imenso.

Porque, bem honestamente, meu amor, meu desejo é que você conquiste o mundo imenso mesmo. E é mais; que você faça diferença nele. E mais ainda; que ele seja bom com você.

Vendo você seguir, eu orei.

E me senti exatamente como no texto que escrevi, ali, outro dia. Há dois anos:

'Dia desses você me disse que iria subir sozinha para a sala de aula. Que a professora pede aplausos para as crianças que se encorajam. Me perguntou se eu achava que você iria conseguir. E, apesar de saber que você está mais para observadora do que para ousada, eu disse que sim.

E, ao pé da escada, pronta para encarar um desafio que até outro dia lhe era tão tenebroso, e que em alguns momentos, lá no início, no ápice do contexto, diante de um drama bem articulado, me fazia pensar que talvez você previsse que ao ultrapassar o batente da sala do pré-primário perderia sua mãe para sempre, lá estava você.

Como um atleta num lance decisivo você respirou fundo, então, tentando conter o medo que vem infalivelmente grudado no andar com as próprias pernas, disse para si mesma em voz alta: “Eu vou conseguir”, me abraçou para tomar ar e seguiu… Conquistando um degrau de cada vez, olhando para trás para confirmar se eu permanecia ali, firme, na retaguarda, caso você desistisse e declinasse de sua prova de maturidade aos quatro anos.

+ "Que vocês não deixem de proibir seus monstros e enxerguem sempre as brechas que a vida dá"

+ Que a gente nunca se esvazie

Você não desistiu. Do topo da escada deu sua derradeira espiada.

Eu disse que te amava, você disse que também.

Te mandei um coração, você devolveu outro e continuou.

E aí recebeu seus merecidos aplausos na classe.

Eu não me mantive firme depois que vi você ir, filha. Também tive que tomar ar e só me consertei após algum tempo dirigindo.

 

Andar sozinha dá mesmo medo, Francisca, e quase nunca você receberá aplausos, meu amor. Mas você pode ir, pode vacilar, pode errar, pode voltar. Os degraus serão seus, é você que terá de vencê-los, minha pequena.

Quanto a mim, nem sempre vou poder estar de mãos dadas com as suas, mas prometo te dar o que eu tiver de melhor pra que você encontre o melhor de si.

E pode crer que estarei aqui na retaguarda.

Firme.

Mesmo que só na sua frente' ", 

Mariana du Bois (Foto: Divulgação)

 

MARIANA DU BOIS é atriz, mãe de Francisca, 6 anos, e Zeca, 2, e escreve sobre maternidade. "Agora eu era a mãe, era a rainha e era também a bruxa. E pela minha lei, filho meu será sempre feliz"



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Mariana-du-Bois-Agora-eu-era-a-mae/noticia/2019/03/o-tamanho-do-mundo-que-nossos-filhos-comecam-ganhar.html

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