"Filho, onde é que você quer sentar?” Tive pena do pai. E também do filho. Do pai, porque ainda não sabia o quanto amargaria na vida por conta de uma pergunta simples como aquela. Do filho, porque não sabia realmente escolher o lugar que queria, mas provavelmente andava tentando mostrar àquele pai que quem mandava ali era ele e, portanto, precisava escolher o lugar da criança.
Estávamos no mesmo restaurante onde acontecia o almoço da família. Aniversário do avô, mesa grande. O menino sentou na cabeceira e já choramingou outra demanda.
Ando pensando muito sobre minhas escolhas como mãe e, provavelmente, minha atenção a tal cena se deu por conta desse estado de espírito. Para falar claro: se pudesse voltar, teria sido mais linha-dura do que fui. Sem perguntinhas tolas e aparentemente inofensivas como essa, que gota a gota vão atribuindo poder a pequenos que ainda não têm condições de exercê-lo. Perguntas que saem da nossa boca sem querer, buscando a felicidade do reizinho, lotadas de amor, boa intenção, dúvidas reais, mas, principalmente, de muita culpa. Com a experiência que tenho hoje, acho que teria tido menos medo da palavra autoridade. Acho. Porque não é tão simples optar por ela. E também só se aprende a ser mãe sendo mãe. Mas aí eles já estão crescidos. E você não poderá ser mãe dos seus netos, sinto dizer.
Tive dificuldades com a autoridade. Tivemos anos de autoritarismo. Acho que tenho um preconceito mesmo, mas também um real compromisso com a liberdade. Qualquer ato mais assertivo com meus filhos me parecia autoritário e me jogava no rico festival de contradições a que estamos expostos quando educamos uma criança. Tudo é muito plural, rico demais para ser assertivo, para não se ter dúvidas. Por outro lado, a vida de mãe nos chama a acertar. Mesmo que erremos, como pais, precisamos definir e ser condutores. É isso que eles esperam de nós. Eu tentava ser firme, até fui, mas minha tentativa de maleabilidade abria campo para as minhas dúvidas, se juntava à minha admiração e deslumbramento por minha nova condição de mãe e, muitas vezes, eu acabava fragilizando uma postura que hoje eu sei que poderia ser melhor esteio para o pequeno. Tipo “porque quem manda aqui nesta casa sou eu”. Simples assim. E definitivo. E claro. E seguro. E lotado de amor.
Mas a vida é móvel. O passado não, mas o presente está aqui ainda na minha mão me dando a chance inclusive de dizer isso tudo ao meu filho. De contar pra ele a sua própria história e fazê-lo pensar sobre de que maneira ele foi formado e o quanto que a formação de uma pessoa é um misto de variantes entre o que lhe foi dado e o que pode ser constantemente construído.
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