Banguela ou com apenas um dentinho, tem coisa mais linda que o sorriso de um bebê? O que muitos pais não sabem é que para garantir que ele continue assim, os cuidados devem começar desde cedo. Na gravidez, para ser mais exato. Tanto que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou, recentemente, o Guia de Saúde Bucal Materno-Infantil, com orientações para prevenção dos principais problemas que comprometem a dentição de gestantes e crianças. “As mães devem primeiro cuidar de si mesmas, logo no início da gestação, pois esse é um período em que ocorrem mudanças na boca. A partir daí, elas podem educar e passar seus hábitos saudáveis para o bebê”, afirma o odontologista Raman Bedi, presidente da Global Child Dental Fund (Inglaterra), ONG que produziu o guia promovido pela SBP.
O corpo da mulher se transforma durante a gestação, e com a boca não é diferente. Um dos vilões da história, como sempre, é a ação hormonal. “Ela interfere nos tecidos de todo o organismo, inclusive nas gengivas [que ficam maiores, mais inchadas e vermelhas]. Por isso, a gengivite é a doença bucal que mais afeta as grávidas”, explica o odontologista e odontopediatra Gabriel Politano, diretor do departamento de odontologia para gestantes e neonatos da Associação Brasileira de Odontopediatria e responsável pelas equipes de odontopediatria do Ateliê Oral Kids e do Politano Odontopediatria (ambos em São Paulo).
Quando uma simples cárie não é tratada e evolui para infecção periodontal, por exemplo, as consequências são mais graves durante a gravidez. Isso porque as bactérias da gengiva podem circular pelo organismo, atingir a placenta e chegar ao bebê, “o que pode levar ao parto prematuro e ao baixo peso ao nascer”, alerta Politano. Ele ressalta, ainda, que estudos relacionam a pré-eclâmpsia (pressão sanguínea elevada na gestação) a alterações do sistema vascular provocadas, entre outras razões, por substâncias encontradas também em gengivas infeccionadas.
Por isso, entre as inúmeras consultas que a gestante tem de fazer está uma visita ao dentista. A procura por esse profissional deve ocorrer o mais cedo possível, tanto para reduzir a inflamação e as bactérias nas gengivas quanto para identificar e tratar possíveis complicações bucais. No dia a dia, torna-se ainda mais fundamental manter uma rotina de higiene dental adequada, utilizando tanto o fio dental como um enxaguante bucal. “As consultas de rotina previnem os problemas e evitam a necessidade de tratamentos maiores durante a gestação”, diz a ginecologista e obstetra Poliani Prizmic, do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim (SP).
A professora Natalia Yolanda Leal de Oliveira Silva, 32 anos, mãe de Alice Gabrielle, 2 anos, foi ao dentista após ser orientada por sua obstetra apenas como medida de prevenção. “Eu estava com mais ou menos 18 semanas. Além de fazer a limpeza, precisei tratar uma cárie. Minha médica enviou uma carta ao dentista solicitando que ele evitasse anestesias com vasoconstrição e fiz o procedimento com tranquilidade”, lembra. A preocupação da médica de Natália tinha razão de ser. “A anestesia com vasoconstritor dura mais tempo, só que pode levar a uma redução do fluxo do sangue e afetar o suprimento para o bebê. Por isso, o mais seguro é a anestesia local, sem vasoconstrição”, explica a obstetra Poliani.
Depois do parto, têm início os cuidados também com a dentição da criança. Muitas mães ficam em dúvida sobre quando levar seus bebês à primeira consulta ao dentista. O ideal é que isso aconteça quando nasce o primeiro dente – o que normalmente ocorre entre o sexto mês e o primeiro ano – e, a partir daí, a cada seis meses.
Se você pensa que é cedo demais, saiba que esse contato inicial é importante para você aprender tudo sobre a higiene da boca do bebê e também faz com que ele vá se acostumando às visitas ao dentista para não criar nenhum trauma. Nessa faixa etária, a limpeza da gengiva deve ser feita com gaze e água. E, assim que nascer o primeiro dentinho, utilize uma escova.
E a pasta com flúor, criança pode usar? Essa é outra pergunta comum, por conta do risco da fluorose, ou seja, manchas nos dentes provocadas pela ingestão excessiva ou prolongada da substância. No entanto, se o produto for usado do jeito certo, não há risco. A recomendação dos odontopediatras é que a concentração de flúor seja de 1.100 ppm (partes por milhão), informação fácil de ser verificada na embalagem. Não precisa exagerar na quantidade: basta o equivalente a um grão de arroz cru enquanto a criança não cospe e, mais adiante, quando já souber cuspir (entre os 2 e 3 anos), um grão de ervilha cru. E os pequenos também devem fazer sempre a higiene da boca após as refeições.
Por volta dos 7 anos, a criança já pode, então, usar a pasta da família. Mas como o sabor costuma ser mais forte, a tendência é que ela reclame. Se isso acontecer na sua casa, tudo bem deixar seu filho escovar os dentes com o creme dental infantil por mais alguns anos. Nessa mesma época, ele também já pode fazer a atividade sozinho – porém, você pode dar uma ajuda na última escovação, à noite. Já a aplicação de flúor, procedimento realizado no consultório, deve começar assim que nascerem os primeiros dentes e pode ser feita a cada 4 ou 6 meses.
O fio dental, por sua vez, tem de ser usado diariamente nas crianças cuja arcada dentária está formada por todos os dentes de leite, o que ocorre em torno dos 3 anos. O mesmo vale para o enxaguante bucal.
Parece mentira, mas mesmo os bebês, com seus poucos e pequenos dentes, podem sofrer com a temida cárie sim. Um novo estudo da Universidade de Melbourne (Austrália) acompanhou 600 crianças do nascimento até os 7 anos e descobriu que ela pode surgir a partir dos 6 meses. “A cárie nada mais é do que um processo de desmineralização do dente. Quando a gente se alimenta e não consegue remover toda a sujeira, o resto de comida vai se acumulando e se mistura às bactérias que temos na boca, formando a placa bacteriana. Se ela não for removida, produz ácidos que mudam a composição da saliva. Assim, começa uma desmineralização no esmalte, o primeiro estágio da cárie, que se manifesta como uma mancha branca”, diz a odontopediatra Fabiana Monte Callado (SP).
Nessa fase, ainda é possível reverter a situação, daí a importância das consultas regulares. “Se a cárie evoluir, entretanto, faz cavidades no dente que podem se estender para a segunda camada, a dentina. O paciente, então, sente dor e seu dente tem de ser restaurado [ou seja, limpo e preenchido com material específico]. Se a cárie piorar ainda mais a ponto de afetar a polpa do dente, começam as infeções, e o que resta é tratar todo o canal [raiz do dente]”, afirma a especialista.
Quando a administradora Solange Cristina Turtera Puga, 38 anos, levou ao dentista o filho mais velho, Renan, hoje com 7 anos, para fazer uma limpeza aos 2 anos, aparentemente estava tudo bem. Mas passado quase um ano, o menino foi parar no pronto-socorro por causa de dor de dente. Depois de alguns diagnósticos desencontrados, febre, inchaço e mais dor, detectaram um problema no canal. “Tratamos dois dentes, mas um teve infiltração; foi necessário extrai-lo para não prejudicar os permanentes. Não sabemos a causa, mas a dentista acredita que pode ter sido uma cárie de mamadeira [como é conhecido o problema quando surge antes dos 3 anos, embora não esteja necessariamente relacionado ao acessório] não vista anteriormente”, conta Solange.
Entre os fatores que podem colaborar para o aparecimento dos problemas bucais está a alimentação. Enquanto o bebê mama no peito, é mais fácil de controlar. “Além de todas as vantagens do aleitamento, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês, do ponto de vista odontológico, estudos mostram que a amamentação previne o surgimento de cáries e favorece o desenvolvimento da arcada dentária”, afirma o pediatra Moisés Chencinski, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Sendo assim, a partir do momento em que se inicia a ingestão de açúcar, tanto de leites artificiais quanto de alimentos naturais, como as frutas, o risco aumenta. Atenção.
Seja no período de aleitamento exclusivo ou fórmula, seja nos anos que se seguem até a troca dos primeiros dentes, prevenção é, portanto, a palavra-chave para evitar problemas maiores no futuro. Por isso, vale sempre supervisionar a higiene bucal de seu filho. Raman Bedi, do Global Child Dental Fund, alerta que os dentes de leite deteriorados e infectados na infância podem afetar a aparência e a função dos dentes adultos. “Cabe a nós, então, protegê-los”, conclui. Escova neles!
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