O despertador toca. Você chama uma, duas, três, dez vezes. Até que, de mau humor, seu filho se levanta da cama. “Não quero pôr o uniforme, mãe.” Depois de muita insistência e cara amarrada, ele se veste. Você oferece o café da manhã, mas ele se recusa a comer. É preciso muita briga para que ao menos tome um copo de leite e coma uma banana. “Pegou a mochila? Penteou o cabelo? Ainda não escovou os dentes?” Alguns mil pedidos depois, você consegue finalmente levá-lo à escola. E ainda são 8 horas da manhã...
Sua rotina é parecida com essa, cheia de pequenos embates com as crianças? Calma, você definitivamente não está só. Os motivos podem variar, mas toda família passa por isso. Aqui em casa, por exemplo, todo dia é um estresse para que minha filha mais velha, Malu, 7 anos, se vista e arrume o cabelo. Desde pequena, reclama que a roupa incomoda. Não importa o tipo: do babado da blusa à costura da meia. Com fios cacheados que fazem nós facilmente, detesta desembaraçar o cabelo e fazer penteados. Ok, não dá para sair pelada na rua e também não quero que fique descabelada. Mas, depois de muita chateação, cheguei à conclusão de que havia outros motivos mais importantes pelos quais brigar. Então, procuro comprar roupas de tecidos bem confortáveis, ensinei a usar creme de pentear e desembaraçar o cabelo sozinha e apostei nas tiaras – deixo os penteados para os dias de aula de dança, de festa ou para quando ela está superbem-humorada. Desisti? Não, apenas a ouvi, dei autonomia e conversei para estabelecer algo que fosse bom para todos.
Já temos afazeres demais no nosso dia a dia e, se não tomarmos cuidado, a casa vira um verdadeiro campo de batalha. E a última coisa que desejamos para a nossa relação com os filhos é viver em guerra, certo? Até porque em uma disputa, sempre um ganha e o outro perde. E o perdedor se conforma e aceita ou, então, pode se rebelar de novo. “A relação vira um campeonato de luta livre pelo ‘cinturão’, e só pode ter um vencedor. Isso não parece apropriado para o processo de educação e formação da criança. Saber competir e lutar é bom, mas relações de filhos e pais baseadas nessa dinâmica não promovem a negociação”, diz a psicóloga Rita Calegari, da rede de Hospitais São Camilo (SP).
A primeira dica, então, é escolher em quais brigas vale a pena entrar. Para isso, pergunte a si mesmo se o que está discutindo é pelo bem da criança (por exemplo, tomar banho todos os dias) ou se é porque você quer tudo no seu tempo e do seu jeito. Em segundo lugar, reavalie a rotina – quem sabe fazer lição não seja sempre um drama porque naquele horário a criança está cansada? Vale, aliás, fazer isso em conjunto com seu filho. Sentem e decidam, juntos, qual seria a melhor forma de organizar o dia a dia. Claro que, em alguns momentos, você precisará impor algumas regras. Mas a aceitação da criança é maior quando ela se sente parte daquele processo e é estimulada a cooperar. Isso faz parte da chamada Comunicação Não Violenta – teoria desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg –, que valoriza a empatia em vez do embate por si só. Criado na década de 60, o método ganhou notoriedade por aqui somente nos anos 2000, após o lançamento do best-seller de Rosenberg Comunicação Não Violenta: Técnicas para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais (Editora Ágora). Se você diz o tempo todo “você é um bagunceiro, deixa sempre tudo no lugar errado no seu quarto”, provavelmente não vê surtir o efeito desejado, ou seja, a colaboração da criança. No entanto, uma boa conversa para explicar por que aquilo precisa ser feito evita que ela se sinta julgada – ao contrário, sente-se acolhida. Bem diferente, não é?
Outro fator essencial para diminuir as brigas em casa é repensar a questão da obediência. Sim, as crianças precisam saber e compreender que devem sempre ouvir e respeitar os pais ou adultos responsáveis. Mas isso significa dizer sim para tudo? É o que você espera que seu filho faça quando se tornar adulto? “Normalmente, quando perguntamos aos pais o que eles desejam para as crianças no futuro, a resposta é que sejam livres. Como isso será possível se você as mantêm na coleira durante a infância? Sempre digo que, ao final do dia, não quero que meus filhos sejam obedientes, mas que tenham pensamento próprio”, defende o engenheiro Thiago Queiroz, 35, pai de Dante, 5 anos, e Gael, 3, e criador do site Paizinho, Vírgula!.
A desobediência pode até ser um sinal de que seu filho será um grande líder no futuro, acredite. Um estudo da Universidade Estadual do Kansas (Estados Unidos) sugeriu que crianças que quebram regras têm mais chances de se tornar líderes bem-sucedidos à frente de grandes empresas. A pesquisa descobriu a presença de um gene que, na infância, provocaria um comportamento contestador. Já nos adultos, o gene foi encontrado em profissionais executivos de alto escalão. Para os especialistas, a explicação é simples: crianças com esse comportamento questionador se acostumam a testar os limites e, com isso, podem aprender coisas novas. Tudo depende, no entanto, da orientação dos pais e da escola: se não houver direcionamento, a capacidade de argumentação pode se tornar apenas rebeldia e egocentrismo.
Na correria louca do dia a dia, muitas vezes queremos que as crianças façam tudo rápido; e, ao chegarmos em casa, cansados do trabalho, suplicamos que obedeçam para conseguirmos ter um pouco de paz. Além disso, vivemos em uma sociedade acostumada com a educação autoritária, “de cima para baixo”, que em geral não enxerga a criança como um ser pensante. Aqui no Brasil, a maioria dos pais acredita que os filhos têm que fazer tudo do jeito que eles mandam. Sendo assim, entram em uma disputa de poder com os pequenos. Para piorar, ainda hoje há quem recorra a táticas agressivas, que alcançam a obediência por meio do medo, da vergonha ou da humilhação. Ou seja, a criança obedece não porque acredita que aquilo seja melhor para ela, mas por temer o grito ou o castigo, por exemplo. Em vez disso, que tal estimular seu filho a ter autonomia, ou seja, a sentir-se capaz de realizar determinadas tarefas, e assim criar uma criança mais segura? De quebra, você ainda vai diminuir as brigas.
É isso que defende o recém-lançado livro Parenting Sensibly: Turning Messes Into Successes (Sensibilidade Parental: Transformando Bagunça em Sucesso, em inglês, US$ 15,95 na Amazon), da pediatra norte-americana Lynda Satre, mãe de dez filhos (veja dicas da obra nas páginas a seguir). Para ela, delegar e incentivar a responsabilidade por pequenas tarefas desde cedo é essencial. “Os pais devem estimular a independência, e não a dependência”, afirma. No exterior, isso é mais comum do que por aqui – tanto porque não é praxe ter empregadas domésticas como porque os jovens são estimulados a sair cedo de casa. A fotógrafa Mirelle Matias, do perfil @13anosdepois, tem 37 anos e mora em Paris, França. Ela conta que, por lá, é isso que acontece, pois os adultos acreditam no potencial das crianças, que são incentivadas a fazer várias tarefas sozinhas. A filha Alice, 3, arruma o próprio quarto desde 1 ano e meio, carrega a mochila da escola e limpa o chão quando derruba algo. Além disso, é responsável por molhar sua plantinha. “No começo dá mais trabalho. Em teoria, é mais fácil e rápido sair catando tudo ou descascar uma banana em cinco segundos do que deixar a criança fazer. Eu, que não sou uma pessoa muito paciente, precisei trabalhar isso em mim. Aprendemos a nos arrumar mais cedo para que fosse possível ela se vestir no tempo dela, por exemplo. Mas uma vez passada essa fase de insistir para que a criança faça, as coisas ficam mais fáceis. Hoje, ela sabe quais são as tarefas dela em casa, não tem mais briga”, diz.
É difícil incentivar a autonomia? Claro! Exige paciência? Muita! Mas o resultado é, como acontece na casa de Mirelle, menos estresse e uma criança mais confiante. Recentemente, Alice viajou com a turma da escola e dormiu uma noite fora. Apesar da pouca idade, não chorou. “Nós também ficamos tranquilos, sabíamos que ela não sofreria longe de casa”, conta a mãe.
Depois disso tudo, fica a lição: não fique em cima de seu filho o tempo todo. Nada de dar comida na boca quando ele já sabe comer sem ajuda. Nada de concluir a lição por ele e guardar os brinquedos toda vez. “Fazer pela criança aquilo que ela é capaz de realizar sozinha é um desserviço para o desenvolvimento dela. À medida que cresce, os pais podem deixar que aprenda a se controlar e a ser responsável por si mesma [e por suas obrigações] sem que tenha de ser lembrada a todo instante – o que se alcança com uma rotina mais regrada”, ressalta a psicopedagoga Luciana Barros de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). Assim, de acordo com a especialista, a criança internaliza as regras e os combinados da família, até que um dia não precisará mais ser avisada ou cobrada.
Até lá, estamos com você nessa missão.
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