Há alguns dias, estávamos, eu e os meninos, na casa dos meus sogros e o meu sogro nos deu uma carona para casa. Eu sentei no banco de trás do Fusca (carro que meu sogro tem desde 1978 e que os meninos amam) e passei as três quadras que separam as nossas casas separando os irmãos que teimavam em brigar e se provocar sem o mínimo sinal de trégua.
A verdade é que Leo e Caê vivem juntos, se amam, mas também se provocam na mesma proporção. São irmãos e me disseram que com irmãos é assim mesmo (saber disso me consola. Tenho um irmão 17 anos mais velho que eu, então nunca tive essa experiência enlouquecedora. Talvez por isso minha mãe demorou tanto tempo para ter os primeiros fios de cabelo branco).
Mas enfim, estávamos lá, no banco de trás do Fusca, eu no meio tentando manter os dois afastados, quando o Leo soltou um grito dolorido e disse que o Caê o havia beliscado. Eu questionei o Caê que, na hora, com a maior cara lavada, de anjinho que acabou de pairar sob a Terra, negou tudo e disse que nada daquilo tinha acontecido. Na hora, é claro que eu me toquei que ele estava mentindo e isso, para mim, foi algo muito, mas muito marcante. Marcante mesmo. Única e simplesmente porque não tolero mentiras. Não tolero, não aceito, não compreendo - e acho que também não perdôo. Não com facilidade, pelo menos.
Naquele exato momento, senti que precisava, muito, mesmo, de verdade, mostrar para o Caê o quanto aquilo era inaceitável, então, eu falei, firme e forte: “Caê, saiba que você será desculpado por algo errado que fizer. Mas não será desculpado se mentir. Para mim, é assim que as coisas funcionam. Eu não aceito mentiras. Eu não sei viver com mentiras. Quando descubro uma mentira, eu perco a confiança e perder a confiança em alguém é a pior coisa que pode acontecer. Ainda mais quando é alguém que a gente ama muito”.
Hoje, olho para trás e tenho certeza que foi um discurso um tanto quanto complexo para uma criança de apenas 3 anos, mas eu falei com tanta veemência, olhando tão fundo nos olhos dele que, mesmo que ele não tenha entendido todas as palavras, tenho certeza que ele entendeu o sentido delas.
Quando o Caê se deu por conta que aquela mentirinha besta tinha levado quase a uma explosão deixando um buraco negro na atmosfera, ele confessou o que tinha feito e, com toda sua sinceridade, se desculpou. Depois desse dia, não vi mais o Caê mentir quando faz algo errado, não o vi mais esconder as pequenas maldades que faz contra o Leo (que também não é santo e revida!). Desde esse dia, ele assume, todo corajoso, o que fez e diz, claramente, “fui eu”. E aí a gente parte para uma conversa sensata, simples e direta. Que é o que funciona com crianças da idade dele.
Pode ser tudo muito complexo, como eu já disse, por se tratar de uma situação vivida por uma criança de meros 3 anos. Mas eu acredito que é desde essa tenra idade que a gente passa os mais importantes valores da vida. E a verdade, para mim, é um deles.
Caê poderá sempre confiar em mim. Assim como eu espero sempre poder confiar nele. Ele sabe, desde já, que pode me falar a verdade, porque se houver arrependimento, genuíno, ele será perdoado. Eu acho que é assim que se estabelece uma relação saudável, de confiança, entre filhos e pais. Quanto mais cedo a gente deixar as coisas às claras, melhor. Eles podem ser quase bebês, mas já entendem muito! Principalmente quando esse entendimento envolve compreensão e acolhimento.
E vocês, como lidam com as pequenas e “inofensivas” mentirinhas do dia a dia? Elas passam batido ou tornam-se oportunidades de ensinar, esclarecer e dar o exemplo?
Shirley Hilgert, publicitária e relações públicas, é mãe de Leonardo, 5, e Caetano, 2, e autora blog e canal Macetes de Mãe, onde compartilha dicas e experiências relativas à maternidade. (Foto: Kazan Estúdio Fotográfico)
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