"Desde nova eu falava que teria quatro filhos e que um deles seria por meio da adoção. Quando casei com o João Paulo, ele compartilhava dessa ideia de adotar. Primeiro, tivemos nossa filha, Luiza. Quando ela tinha 10 anos, vimos que nossa vida já estava estabilizada e que poderiam vir outros. Entramos na fila de adoção. Colocamos que poderia ser uma criança de 2 a 7 anos, até irmãs, com doença tratável, independente de raça. Só especifiquei mesmo que queria uma menina. Um ano e oito meses depois, nos ligaram de São Paulo.
Fomos até o fórum fazer a entrevista e já na saída deixaram que fôssemos até ao abrigo conhecer as duas meninas, o que não é de praxe. Naquele primeiro encontro, já começamos a gostar delas. A gente gosta primeiro do nome, depois do jeitinho das crianças... Nisso, ficamos indo três meses para São Paulo, toda semana. A gente saía daqui de domingo a noite de ônibus, chegava lá segunda de manhã para ficar três horas com as meninas. Toda semana.
Até que chegou o feriado do dia 2 de novembro e deixaram elas virem para cá. Passaram 4 dias com a gente. Nos disseram que se elas gostassem da gente, da casa, poderiam voltar já para guarda provisória. Quando voltamos lá, uma sexta-feira, elas estavam nos esperando. Segundo as moças do abrigo, elas chegavam todos os dias da escola e sentavam na frente do portão, esperando a gente chegar. Trouxemos elas.
Durante o ano que se seguiu, ninguém ligou. Nenhuma assistente social. Nem para saber se a gente era maluco ou não, se estávamos tratando as meninas bem. Foi como se tivessem dado um filhote de cachorro… Falam que a adoção é tanta burocracia, mas, no final, nos deram as crianças sem se preocupar para onde elas iriam. Eu mesma tive de ir atrás para ver em que pé estava o processo. A assistente veio até minha casa, fez a entrevista com as meninas e, dentro de um mês, chegou a carta judicial de que eu poderia cancelar a certidão de nascimento delas de São Paulo e registrá-las aqui com nosso nome.
O primeiro ano foi punk, porque no abrigo eles não educam as crianças; adestram. A Amanda tinha 5 anos e a Alice tinha 7. Elas sabiam arrumar cama, lavar a louça, mas não tinham noção alguma de higiene, agiam como bebês. A Amanda sabia cinco palavras com 5 anos. Além do vocabulário pequeno, ela não sabia chorar, não andava direito, nem sabia o que fazer com as mãos... Elas até que se adaptaram fácil. Para nós, foi mais difícil.
Quando falamos em adoção, é necessário não ter pena. As pessoas diziam para elas “tadinhas”. Até hoje eu falo, “tadinhas, não”. Elas não são dignas de pena, elas tiveram muita sorte em ter pais que as adotaram. Acima de tudo, a adoção é uma escolha muito gratificante. As pessoas dizem, “Eu te admiro pelo que tu fez por elas”, mas é gratificante para nós. Elas nos ensinaram muito sobre amar uma pessoa que você nunca viu, que veio da barriga de outra pessoa... Ensinaram que o amor pode ser igual, exatamente o mesmo.
Depois de 7 meses, eu engravidei sem querer. Veio a Larissa para consolidar o que é amor de irmão, porque elas sequer tinham isso uma com a outra. Elas brigavam, se arranhavam, batiam uma na outra… Tudo isso, a gente teve que ensinar. Muitas vezes, assumo que tinha vontade de desistir, e meu marido sempre dizia 'não desiste, porque senão eu também desisto, vamos aguentar firme”'. Vai completar 8 anos que estamos todos juntos. São quatro filhas e muito amor."
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Familia/noticia/2018/05/adocao-tardia-no-abrigo-eles-nao-educam-criancas-adestram.html