O pequeno Nino era um bebê bem pequenininho quando teve que tomar seu primeiro remédio. Preparamos o líquido na seringa. Ele chorava.
Eu e Luiz tínhamos virado meros parceiros de trabalho. Dávamos ordens um ao outro, muitas vezes esquecendo de sorrir no meio. Os pais de primeira viagem sabem bem o que significa a vontade de acertar, o medo de errar, a tensão e o desespero da imensa responsabilidade de ter agora que cuidar do tal serzinho. Dar um simples analgésico pode mesmo virar uma operação de guerra.
+ Mãe usa truque engenhoso para dar remédio ao bebê
Eu tentava abrir a boquinha enquanto Luiz mirava a seringa. Vai! Luiz apertou a seringa e o esguicho do pai nervoso conseguiu entrar em todos os orifícios da carinha do pequeno. Nino começou a tossir e eu fuzilei Luiz com o olhar.
– Que esguicho! Nada podia ser mais delicado! – pensei.
Mas não falei. Consegui me controlar. Não seria justo, poderia ser eu a errar. E eu tinha visto todo o seu empenho no cuidado com nosso filho.
Bom, isso tem 20 anos, e o pequeno engasgado agora gosta de uma cervejinha, come bobagens que nem louco e economiza sua mesada para comprar os charutos que inventou fumar. Coisa da idade, tudo bem. Mas quem cuida do meu filho?
Foram muitas as noites em claro, a famigerada laringite alérgica, as pneumonias, as bronquites, as inalações, os medos, as terapias... e agora ele resolve por conta própria, simplesmente, não se cuidar!
Ando com muitas questões neste começo de ninho vazio. Não sei se devo ajudar meus filhos a tomar seus remédios, por exemplo. Eu também esqueço os meus! São homens feitos, estão o dia inteiro fora de casa (eu também) trabalhando. Será que dura para sempre esse instinto de proteção? Acho que sim. Minha mãe ainda tem. E me irrita com isso.
+ Conchinha hipnótica em mão esquerda
Mas isso eu já sabia, a novidade é a angústia. A angústia de não saber o que fazer quando eles decidem não se cuidar. Não adianta avisar, não adianta falar, o grande Nino, o cara barbado aqui da minha sala, simplesmente não quer se cuidar! E esta é a grande novidade para mim: a ideia de que, apesar de ainda morarem conosco e serem sustentados por nós, eles podem, se quiserem, comer um cachorro-quente no estádio, engordar dez quilos e fumar. Isso não estava no programa!
Olho Nino esparramado no sofá, bonachão, sorridente que é, e me lembro do dia em que o vi pelo vidro do berçário e ele, com dois dias de nascido, empurrava os joelhinhos no raso bercinho de acrílico ameaçando dar uma cambalhota. Nunca ouvi falar que recém-nascidos tenham se jogado do berço em uma cambalhota, mas meu então novo coração de mãe chamou a enfermeira:
– É que o meu filho...
Parei, emocionada. Pela primeira vez, eu tinha falado “meu filho”. E eu estava ali para protegê-lo de todos os males. E agora o meu filho não me deixa cuidar do meu filho.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Denise-Fraga/noticia/2018/06/quem-cuida-do-meu-filho-quando-meu-filho-nao-se-cuida.html